Vamos dentro de um carro-patrulha, 4X4, em pleno areal da Costa da Caparica, a 10 quilómetros por hora. A água, bem apetecível nesta quente e ventosa tarde de julho, está a uma distância que podemos classificar de demasiado curta. Valentim Silva, 40 anos, conduz, já habituado a desviar-se de todas as pessoas que aproveitam o dia de sol e dos buracos escavados numa qualquer brincadeira. Nuno Bento, 39 anos, segura aquilo a que comumente se chama walkie talkie – ligado ao SIRESP – e que pode, a qualquer segundo, fazê-los disparar numa missão de socorro.
De repente, há um veraneante, de toalha ao ombro, que se aproxima do vidro e faz um gesto a pedir que o baixemos. Pensamos que precisa de ajuda, mas o que ouvimos, depois de o carro parado e da janela aberta é uma dúvida circunstancial: “Desculpe, sabe dizer-me até que horas a maré está a subir?” Nuno Bento não desarma, pega na sua documentação e responde prontamente ao banhista. “Até às 16h30.”
Água vai, água vem, e apesar do programa Seawatch ter 14 anos, ainda há muita gente que não faz ideia para que raio servem estes carros que, de forma impositiva, surgem nas praias, rasgando, de certa forma, o ambiente? Há mesmo quem não goste de vê-los por aqui, pois é inegável que são veículos poluentes e, como tal, proibidos por estas paragens (não são elétricos).
Quase ninguém imagina que estes carros estão muito bem preparados, com equipamento, para socorrer quem precisa nos “350 quilómetros de areal em que não existem nadadores salvadores em permanência”, como salienta o comandante Paulo Vicente, diretor do Instituto de Socorros a Náufragos (ISN). Muito menos se adivinha que a equipa que o conduz é composta por dois militares da Marinha, treinados especialmente para estas funções.
A ideia até pode ter ido colher inspiração na série americana de sucesso dos anos 1990, Marés Vivas, que tinha Pamela Anderson e o seu fato-de-banho vermelho como principal atração, mas hoje, e em Portugal, faz sentido ter este tipo de assistência rápida e diferenciada nos areais em que não há vigilância. Já se perceberá menos quando rompem pelo meio da multidão em praias concessionadas, pois é para isso que lá estão os nadadores salvadores.
O equipamento arrumado nestes todo-o-terreno é a resposta a todas as dúvidas dos veraneantes. Além do material a que os 5200 nadadores salvadores também têm acesso, há um kit de administração de oxigénio e, mais importante ainda, um desfibrilador automático externo (DAE) pronto a usar. “Temos notado, desde a COVID, que há mais episódios de paragens cardíacas, daí a importância deste equipamento estar disponível e de os militares estarem aptos a utilizá-lo em caso de emergência”, assume Paulo Vicente.
O que mais tem registado esta equipa que nos guia pelas praias da Costa da Caparica são, além das paragens cardíacas, lesões traumáticas, como ombros e joelhos deslocados. O seu papel, nestes casos, é retirar a vítima do areal e levá-la até à ambulância, prestando os socorros básicos necessários. “Somos a primeira ajuda diferenciada, mas não somos enfermeiros”, lembra Valentim Silva.
Felizmente, na tarde em que acompanhámos esta equipa não houve intervenções de urgência, apesar de a bandeira amarela estar hasteada. Vimos uma picada de peixe-aranha, a ser devidamente socorrida, com água quente, no posto do nadador salvador da Praia do Castelo. E ouvimos, através do walkie talkie, que uma senhora havia caído nas rochas e feito alguns ferimentos, mas estava na área de atuação de um outro carro do projeto Seawatch. Não foi preciso que Nuno e Valentim entrassem em ação.
Apesar da ligação às autoridades ser importante, Nuno Bento reconhece que “acontece mais estarmos a fazer este tipo de ronda e darmo-nos conta de uma ocorrência.” É por isso que vão continuar a circular no areal até às oito da noite, hora em que arrumam o carro até ao dia seguinte (rotina que se repetirá até 31 de outubro). Nem que seja para ouvirem mais alguma pergunta desadequada, como: “Costuma estar sempre vento por aqui?”
Quem e como nos salvam?
O projeto Seawatch tem contribuído muito para colocar Portugal no ranking mundial como um dos países com menor taxa de mortalidade por afogamento, nunca esquecendo o papel indispensável dos 5200 nadadores salvadores certificados pelo ISN.
Existem 32 VW Amarok espalhados pelo País e Ilhas, no litoral e, desde este ano, também nas praias fluviais.
Cada carro dispõe de 2 boias-torpedo, 2 cintos de salvamento, 1 prancha, 1 maca, 1 mala de primeiros socorros, 1 kit de oxigenoterapia, 1 kit de desatolamento e 1 desfibrilador
No ano passado, os militares fizeram 279 assistências de primeiros socorros, 53 salvamentos de veraneantes e 19 buscas com sucesso de crianças perdidas