No início desta semana, as altas temperaturas em Espanha colocaram metade do país em alerta metereológico. Portugal escapou às temperaturas extremas graças ao anticiclone dos Açores que têm antingido a costa portuguesa com massas de ar fresco.
Perante esta realidade, agricultores, voluntários e investigadores espanhóis recorreram a uma vasta rede de canais de irrigação construídas no tempo dos mouros. Estes canais, ou “acéquias” – tem origem no àrabe “as-saqiya”, que significa conduta de água – estão agora a abastecer a região da Andaluzia.
As acéquias, uma das marcas dos mouros que invadiram a Espanha no século VIII, caíram em desuso por volta de 1960, quando o país se virou para práticas mais modernas. “As acéquias foram capazes de suportar pelo menos mil anos de mudanças climáticas, sociais e políticas”, diz José María Martín Civantos, arqueólogo e historiador que está a coordenar um grande projeto, em entrevisa ao The New York Times. “Então, porquê passar sem elas agora?”, acrescentou.
“Os mouros não nos deixaram apenas as acéquias, mas também a paisagem que criaram com elas”, afirma, por seu lado, Elena Correa Jiménez , investigadora do mesmo projeto, liderado pela Universidade de Granada. “Nada disto existiria sem as acéquias. Não haveria água para beber, nem fontes, nem colheitas. Seria quase um deserto”, garante.
Quando, na região, as acéquias foram substituídas por sistemas mais modernos e de gestão de água, só na Serra Nevada, segundo dados do governo, cerca de um quinto das acéquias foram abandonadas.
A modernização da agricultura transformou a região da Andaluzia, que passou a ter grandes quantidades de produtos que eram enviadas para todo o continente. No entanto, conduziu a uma extrema falta de água, que acabou por esgotar os aquíferos da região.
Um dos moradores da região e membro de um grupo que administra redes de irrigação em Cañar- uma pequena aldeia em Alpujarra que foi duramente afetada pela combinação da agricultura intensiva, temperaturas mais elevadas e pelo abandono de uma acéquia próxima- explicou que a sua restauração, levada a cabo pelo arqueólogo José Civantos, permitiu que alguns dos seus conterrâneos voltassem a cultivar cerejas e kiwis.
Até à data, José María Martín Civantos e a sua equipa já recuperaram mais de 96 km de canais de irrigação, afirma o arqueólogo.
A iniciativa ainda não conta com apoio financeiro porque, segundo o especialista, os políticos e as empresas consideram frequentemente as acéquias ineficientes, em comparação com as modernas redes hidráulicas.
“É difícil mudar mentalidades”, afirma. “Mas se entendermos a eficiência em termos de multifuncionalidade, então os sistemas de irrigação tradicionais são muito mais eficientes. Retêm melhor a água, recarregam os aquíferos e melhoram a fertilidade dos solos.”
A sua equipa espera que com as acéquias e toda a sabedoria ancestral que está por detrás do sistema e dos moradores da aldeia, as alterações climáticas possam ser combatidas.