É por isso que a diretora desse estabelecimento de ensino, Mónica Almeida, não tem dúvidas em afirmar que restringir o uso dos referidos aparelhos ao contexto pedagógico, quando solicitado por um professor, foi “a melhor coisa” que aí se fez.
Situada na freguesia de Lourosa e frequentada por 630 alunos dessa região do distrito de Aveiro, a EB 2/3 em causa é apontada como exemplo na petição pública “Viver o recreio escolar sem ecrãs de smartphones”, que reúne mais de 3.400 assinaturas apelando a que, a partir do 2.º ciclo, crianças e jovens sejam impedidos de usar telemóveis em ambiente escolar.
Os peticionários defendem que a proibição ajudará os alunos a desenvolverem as suas capacidades de socialização e comunicação oral, e também fará diminuir o ‘bullying’ ‘online’ e a difusão ilegal de imagens e vídeos com menores.
Mónica Almeida concorda. Diz que isso está demonstrado pelos últimos seis anos de experiência da escola e pela animação que se nota no recreio durante os intervalos: há grupos de alunos em altas gargalhadas, miúdas a caminhar juntas em torno de jardins bem cuidados, rapazes a jogar bola no relvado sintético e até pares românticos a beber sumo na esplanada do bar, sob as árvores.
“Implementámos esta medida há seis anos e o principal objetivo era que os nossos alunos pudessem socializar uns com os outros sem recurso ao telemóvel, porque achávamos que nestas idades, de formação do seu caráter, é muito importante a interação de uns com os outros e não por via dos ecrãs”, explica Mónica Almeida.
Embora já em 2017 fosse tida como arriscada, a medida foi aprovada sem dificuldade no conselho pedagógico, pelos docentes, e depois validada também pelo conselho geral, em que pais e encarregados de educação também se mostraram “muito a favor” da mudança.
“O mais difícil foi implementá-la nos alunos que já cá estavam há algum tempo, nomeadamente aqueles que usavam de forma sistemática o telemóvel. Mas depois, em reuniões de delegados [de turma], eles foram os primeiros a assumir que foi uma boa medida, porque passaram a conhecer os seus colegas muito melhor”, recorda a diretora.
Em termos práticos, os alunos da EB 2/3 de Lourosa podem levar o telemóvel para a escola, mas, na primeira aula, entregam os aparelhos ao professor, que os deposita numa caixa específica para cada turma, guardada num armário próprio da receção do edifício. Depois, independentemente da carga horária letiva de cada dia, só na última aula é que o professor em funções acede novamente à caixa, para devolver os telefones a seu dono.
Os estudantes mais cumpridores podem manter o telemóvel consigo, desde que esse nunca seja consultado. À primeira infração há um aviso; à segunda o aluno fica suspenso três dias — “ou mais”, como aconteceu durante uma semana com o estudante que gravou um professor e partilhou o vídeo nas redes sociais.
Urgências estão previstas: “Sempre que queiram dar um recado aos seus educandos, os pais ligam para a escola e nós fazemo-lo chegar ao aluno. Quando o educando quiser uma chamada para os encarregados de educação, pode sempre fazê-lo, sem nenhum custo”.
É por isso que Inês Santos, que tem 11 anos e frequenta o 5.º C, nem leva o telefone para a escola. Está habituada a prescindir dele desde a escola primária e não tem reclamações sobre a medida: “Assim temos mais tempo nos intervalos para conviver uns com os outros. Dou voltas à escola com as minhas amigas, a caminhar; falamos de como correram os testes, das coisas que fazemos ao fim-de-semana”.
Já com 14 anos, Frederico Ferreira acrescenta jogos de futebol, ténis de mesa e matrecos à lista de atividades com que substitui os ecrãs. Lamentando que noutras escolas haja “muita gente parada ao telemóvel a mandar mensagens em vez de falar com os colegas”, esse aluno do 9.º F aprecia a política da EB 2/3 António Alves Amorim e diz que os pais até tiveram nela um dos principais fatores que os levaram a matriculá-lo aí.
Quando explica essa proibição a amigos de outros estabelecimentos de ensino é que a situação se complica: “As pessoas acham um bocado estranho e a primeira reação é que ficam espantadas. ‘Como é possível uma pessoa nesta idade ‘viver’ sem o telemóvel?’. Porque, efetivamente, isto é uma realidade muito diferente da do resto das escolas”.
A confirmá-lo está Camila Oliveira, professora de Matemática e Ciências que, lecionando na EB 2/3 de Lourosa apenas há cinco anos, mal conseguiu conter o entusiasmo ao saber que a proibição de uso de telemóveis nesse estabelecimento de ensino ia ser tema de notícia e dar-lhe oportunidade de traçar a comparação com o local onde trabalhava antes.
“Venho de uma escola onde os miúdos, mal saíam das aulas, escorregavam pela parede abaixo com o telemóvel e ficavam ali agarrados àquilo. Não havia convívio como há aqui e por isso é que achei isto magnífico. Todas as escolas deviam seguir este exemplo”, declara.
Realçando “a coragem da direção” ao decidir que os telemóveis seriam proibidos em todo o recinto escolar e não apenas nas salas de aulas (como estipula o Estatuto do Aluno, ao proibir aparelhos informáticos “nos locais onde decorram aulas ou outras atividades formativas”), Camila Oliveira acrescenta: “Estamos na era das comunicações, mas a nossa sociedade está a ficar doente por causa da falta de comunicação física, presencial. Acho esta medida importantíssima, pela saúde dos nossos filhos — principalmente a mental”.
Maior capacidade de socialização, desenvoltura argumentativa, segurança no discurso em público e empatia são algumas das competências que as duas professoras dizem favorecidas pelo menor contacto com telemóveis. Além disso, a proibição liberta a escola de “um sem-número de problemas, nomeadamente alguns crimes que se cometem nos estabelecimentos de ensino sem que os alunos tenham sequer consciência disso”, refere.
Mónica Almeida dá apenas dois exemplos, entre os mais frequentes: a captação ilegal de imagens de alunos, na maioria dos casos em circunstâncias normais de socialização, mas, às vezes, também em situações de ‘bullying’, ‘body shaming’ e exposição sexual; e a filmagem de professores em contexto da sala de aula, num crime agravado pela difusão desses conteúdos nas redes sociais.
“Esses comportamentos são da responsabilidade dos pais e nós aqui não temos esse problema. Não usando telemóveis, não compete à escola supervisionar essas questões”, conclui.
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