Suar como um porco ou comer que nem um. Todos nós estamos habituados a ouvir expressões idiomáticas como estas, associando a ideia de sujidade e falta de higiene a um animal que, curiosamente, parece ter mais em comum com a mente humana do que poderia parecer.
E se, afinal, os porcos reagissem à música, soubessem usar “casas de banho” e manipular os seus pares? Uma série de investigações recentes parece apontar precisamente nesta direção. O interesse na complexa mente suína tem vindo a aumentar, cada vez mais, no meio científico e os estudos sucedem-se com resultados surpreendentes.
Por exemplo, um estudo, publicado em março na revista científica Nature, mostrou que os porcos reagem de forma diferente a diferentes tipos de música, experimentando uma grande variedade de emoções.
Como explicam os autores, estes animais discriminam pessoas familiares, estranhos e objetos com base em sinais visuais, auditivos e olfativos e apresentam uma sensibilidade auditiva semelhante à dos primatas, sendo capazes de distinguir tons de diferentes frequências. “Essas características cognitivas e sensoriais tornam a espécie particularmente interessante como modelo para estudar os efeitos da música nas emoções”, lê-se no estudo.
A equipa percebeu que as emoções experimentadas pelos suínos eram positivas quando a estrutura harmónica usada era consonante e negativas quando esta era dissonante.
Outro estudo, publicado na revista Scientific Reports, descobriu que os grunhidos destes animais mudam de frequência dependendo do contexto emocional. Os grunhidos mais felizes são mais profundos, enquanto os mais stressados aproximam-se de gritos agudos.
A equipa de investigadores usou um sistema de Inteligência Artificial que determina com alta precisão se as vocalizações feitas pelos porcos são expressões de sentimentos positivos ou negativos, e até mesmo as circunstâncias em que os sons são feitos – incluindo situações como leitões a ser amamentados, a encontrar as mães ou outros leitões da mesma ninhada a serem surpreendidos ou amontoados.
O banco de dados com as gravações de milhares de grunhidos, fungadelas e guinchos das centenas de porcos estudados será usado para ajudar os agricultores a entender melhor os estados emocionais dos seus animais e melhorar o bem-estar dos mesmos.
Eles sabem manipular
Longe vai o tempo em que publicações como a norte-americana Hog Farm Management afirmavam que as porcas reprodutoras deviam ser consideradas “uma valiosa peça de maquinaria cuja função é bombear porquinhos como uma máquina de salsichas”. Hoje, cada vez mais os porcos são vistos como animais de estimação e objeto de estudo.
Na Alemanha e na Holanda, experiências feitas em quintas mostraram que os suínos não são necessariamente “porcos”. É que, perante a instalação de uma “casa de banho” com áreas separadas para defecar e urinar, cerca de 96% das vezes em que os animais precisavam de realizar tais ações, escolheram fazê-lo dentro dessa mesma casa de banho, mantendo sempre limpa a zona de descanso cheia de palha.
Os porcos reagem a diferentes tipos de música, experimentando uma grande variedade de emoções
A forma que os cientistas encontraram de treinar os porcos e ajudá-los a identificar a área de eliminação foi através de um sistema automático de recompensas instalado na zona destinada à urina e fezes colocadas nos cantos da área de defecação.
Além de serem mais asseados do que esperaríamos, os porcos parecem também ter capacidades cognitivas espaciais e estarem predispostos para “usar” companheiros como fontes de informação.
Quem o demonstrou foram cientistas da Universidade de Bristol. Numa tarefa que envolvia duas visitas diárias a um recinto com comida escondida, os porcos aprendiam, imediatamente na primeira visita, onde é que poderiam encontrar o alimento, lembrando-se de voltar aos mesmos locais, na segunda visita, horas mais tarde.
Os investigadores descobriram também que, para aumentar esta capacidade de encontrar comida, os animais usam os companheiros de grupo como autênticas “fontes de informação”. A experiência do recinto com comida foi repetida, mas com pares de porcos.
Um porco “informado” conhecia a localização dos alimentos e outro “não informado” sabia apenas que a comida estava algures dentro do recinto, sem saber onde. Inicialmente, o porco não informado procurava a comida sozinho, mas, ao fim de alguns dias, a maioria começou a seguir os companheiros informados, os quais, por sua vez, ao se aperceberem do que estava a acontecer, começaram a desenvolver estratégias para não serem seguidos, como ir ao local onde estava a comida apenas quando o companheiro se encontrava a alguma distância.
Ao ler estas linhas, é inevitável questionar se entre cães e porcos existirá assim tanta diferença. Os comportamentos parecem incrivelmente semelhantes para duas espécies que tratamos de forma tão diferente. Uma acaba no prato, a outra a dormir aos pés das nossas camas.
As espécies mais inteligentes
Com 500 milhões de neurónios, o polvo é o mais esperto dos invertebrados e muda de cor e de forma num ápice. À luz da Ciência, há outros animais com tipos de inteligência de fazer inveja aos humanos
Corvo
Embora não tenha córtex cerebral, é capaz de planear e recorrer ao uso de paus para capturar insetos e atirar nozes para estradas com semáforos, recuperando-as já abertas, após a passagem de veículos.
Chimpanzé
Partilha 99% do seu ADN com os humanos e tem a capacidade de sentir emoções. Consegue fazer uso da lógica de forma relativamente avançada para resolver problemas, como obter água potável dobrando folhas, evitar armadilhas e obter alimentos.
Golfinho
O único animal marinho que passa no teste da autoconsciência. O seu sonar natural faz com que se oriente em águas escuras, esteja apto para fazer caça cooperativa e consiga envolver-se em redes sociais complexas. A capacidade de reconhecer e recordar outros chega a superar os 20 anos ou mais.
Ainda assim, investigadores da Universidade Eötvös Loránd, em Budapeste, que abriga um dos grupos de pesquisa de comportamento animal pioneiros do mundo, sugerem que os porcos são diferentes dos cães, pelo menos na forma como percebem as pessoas.
Quando deparam com um problema que não conseguem resolver, os cães procuram a ajuda dos humanos, enquanto os porcos são menos propensos a fazê-lo, continuando a tentar encontrar a solução sozinhos.
Os investigadores observaram, por exemplo, que quando os humanos apontavam para a comida, os cães seguiam a sugestão, mas os porcos não e que, quando colocados numa sala desconhecida, ambos se aproximavam do dono, mas apenas os cães se aproximavam dos humanos quando um estranho estava presente.
Talvez seja o resultado de milénios de tratamento diferente que acabaram por transformar os cães nos nossos “melhores amigos” e os porcos numa espécie menos dada ao companheirismo, ainda que extremamente inteligente.
(Artigo publicado originalmente na VISÃO de 18 de junho de 2022)