Acabamos de conhecer alguém. Assim que essa pessoa revela a sua idade, que por acaso até tem menos uns anos do que a nossa, há um mecanismo automático que nos faz pensar que parecemos bem mais novos do que o recente conhecimento em questão. Só quando isso começa a acontecer com demasiada frequência é que paramos em frente ao espelho e chegamos à conclusão que se calhar não nos vemos com a crueza que a realidade exige. Seremos caso único?
Boas notícias para todos os que se identificaram com o primeiro parágrafo: As pessoas acima dos 40 sentem-se 20% mais jovens do que a sua idade, diz um estudo dos psicólogos David C. Rubin, da Universidade de Duke, na Carolina do Norte, e Dorthe Berntsen, da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, publicado em 2016 no Psychonomic Bulletin & Review. E mais: isso acontece em 70% das pessoas e vai-se agravando à medida que os anos passam.
A diferença entre a realidade e a ficção começa a criar-se a partir dos 25 anos ou quando termina o percurso académico e se perdem as referências diretas e constantes dos colegas de turma. E é logo nos 30 que cerca de 70% da população – não é matemático – passa a sofrer deste desnivelamento.
De tal forma que alguns especialistas se dedicam a explicar o fenómeno desde 1970. Num estudo da Associação Americana de Psicólogos, já de 1989, defendia-se que se trata de “uma forma de negação defensiva que permite afastar-se do estigma associado ao envelhecimento”.
Na investigação You’re Only as Old as you Feel: Self-perceptions of age, fears of aging and life satisfaction from adolescence to old age, identificou-se as idades subjetivas em 188 pessoas, desde a adolescência (14 anos) até aos 83 anos. Posteriormente estabeleceu-se a relação entre o receio de envelhecer e a satisfação pessoal com a vida. Num questionário, os inquiridos fizeram considerações acerca da forma como se sentiam, como era a sua aparência, a sua maneira de viver e como desejavam ser. Ao mesmo tempo, também respondiam acerca dos medos de envelhecer e da satisfação com a vida. Os resultados revelaram que os teenagers tinham identidades de idade subjetiva mais velhas, os jovens adultos faziam corresponder as duas idades, mas à medida que a vida avançava, todos se identificaram com menos anos – mais as mulheres que os homens.
Belén Alfonso, psicóloga especialista em estudos de género, disse ao espanhol El País: “Trata-se de um fenómeno influenciado pelos estereótipos sociais que interiorizamos sobre a velhice e um mecanismo interno de resistência a identificar-nos como uma pessoa mais velha por todos os sentidos negativos que estão associados a essa ideia”. Explica ainda que estes estigmas idadistas perseguem mais o universo feminino. “Construímos um estereotipo de velhice associado ao improdutivo, à doença, à dependência, à morte da vida sexual”, explica. É por isso normal que ninguém queira ver-se refletido nele.
MAIS MASSA CINZENTA
No entanto, a psicóloga Helena Marujo discorda desta justificação, pois sabe que este fenómeno reflete antes a perceção indireta das nossas capacidades neurológicas. Para esta certeza, baseou-se em estudos mais recentes, de 2018 e 2019, que usaram novas tecnologias que permitem conhecer o cérebro em tempo real, e concluíram que quem se sente mais novo tem estruturas cerebrais mais bem preservadas e saudáveis. Ao investigarem os volumes da massa cinzenta, perceberam que ela é maior nos casos em que nos percecionamos mais jovens.
Essas diferenças de perceção estão relacionadas com o estado da saúde, as opções comportamentais e os processos cognitivos. “Ligam-se com a leitura e interpretação internas, com a forma como vemos o mundo e a nós próprios. Se somos pessimistas ou otimistas, onde temos o foco”, resume a especialista.
Estas novas investigações estabelecem uma relação direta da idade subjetiva com a saúde física, com a satisfação com a vida, e indireta com sintomas depressivos, incidência de demência, declínio cognitivo, hospitalizações e fragilidade. “Os que se sentam mais velhos têm níveis de proteína C reativa mais altos, maior probabilidade de serem diabéticos, um IMC desequilibrado e um fluxo respiratório deficiente. Há mesmo vantagens, provadas com indicadores objetivos de saúde, em nos percecionarmos mais novos”, garante Helena Marujo.
Da próxima vez que nos sentirmos mais jovens do que o que dita o nosso cartão de cidadão, saberemos que isso não passa de uma forma subjetiva de nos declararmos com saúde.