Foi o próprio governo que, em dezembro de 2022, respondeu às dúvidas do governo sobre a indemnização de 500 mil euros a Alexandra Reis. Confuso? Um pouco mas, de acordo com elementos que estão na posse da Comissão Parlamentar de Inquérito à Gestão da TAP, foi isso mesmo que aconteceu com a intervenção do então secretário de Estado Adjunto das Comunicações, Hugo Mendes.
Dois dias após o Correio da Manhã ter revelado o valor da indemnização à antiga administradora, o então ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, e o ministro das Finanças, Fernando Medina, emitiram um despacho, no qual era pedida à empresa “informação sobre o enquadramento jurídico do acordo celebrado no âmbito da cessação de funções, como vogal da respetiva Comissão Executiva, de Alexandra Margarida Vieira Reis, incluindo sobre o montante indemnizatório atribuído”. O despacho foi publicado às 15h42 do dia 26 de dezembro de 2022 no portal do governo
Acontece que, segundo informação (emails e mensagens) que chegou à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), naquele mesmo dia a CEO da TAP, Christine Ourmieres-Widener, o “chairman”, Manuel Beja, e o então secretário de Estado Hugo Mendes marcaram uma “call” com o assunto “despacho discussion”. E, de acordo com o acervo documental da CPI, durante o dia há uma sucessiva troca de emails com sugestões de respostas à pergunta feita pelos ministros, sendo que algumas das sugestões de Hugo Mendes até foram aceites. Ou seja, acabou por ser o governo a responder às dúvidas do próprio governo.
Com o Presidente da República a colocar pressão alta no caso TAP – “Eu sou muito impaciente, mas tenho aprendido a tornar-me mais paciente. Pacientemente, espero” por respostas (27 de dezembro de 2022) – a resposta da empresa chegou, neste mesmo dia, ao início da noite. A TAP entendia que o caso de Alexandra Reis não se enquadrava nas regras abrangidas pelo Estatuto do Gestor Público por a rescisão ter sido feito ao abrigo de uma “renúncia”, e não ao abrigo das outras duas possibilidades previstas no estatuto: “demissão” ou “demissão por conveniência”.
Perante estes dados, os ministros revelariam ter remetido “de imediato os esclarecimentos prestados pelo conselho de administração da TAP à Inspecção Geral de Finanças” que, em março deste ano, apresentou as suas conclusões, considerando como ilegal o pagamento de 500 mil euros de indemnização.
Esta foi uma das revelações das mais de seis horas de audição de Christine Ourmieres-Widener, esta terça-feira, na CPI. Outra foi a de que o ex-secretário de Estado Hugo Mendes recomendou à CEO da TAP a alteração de uma data de voo com origem em Maputo, Moçambique, com destino a Lisboa, de forma a satisfazer um alegado pedido do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Segundo um troca de emails, revelada pelo deputado da Iniciativa Liberal Bernardo Blanco, durante a audição da CEO da TAP, a 10 de fevereiro de 2022, Christine Ourmiéres-Widener foi confrontada com um pedido para antecipar um voo de Maputo para Lisboa de 24 para 23 de março de 2022, a pedido do Presidente da República que estaria naquele país africano em visita oficial.
Perante este pedido – que se fosse aprovado afetaria cerca de 100 pessoas com voo marcado – a CEO da TAP pediu a “orientação” do então secretário de Estado, Hugo Mendes, escrevendo-lhe, por email, que a sua “reação espontânea” seria dizer “não”.
“A minha reacção espontânea é dizer ‘sim’”, respondeu Hugo Mendes, acrescentando que o governo não poderia prescindir do “apoio político” do Presidente. “Ele tem dado muito apoio no que diz respeito à TAP, mas se o seu humor muda, tudo está perdido. Uma frase dele contra a TAP/Governo leva a que o resto do País fique contra nós”. Na reunião, Ourmières-Widener disse que fez questão de verificar se se tratava realmente de um pedido da Presidência e que constatou que Marcelo Rebelo de Sousa “nunca pediria” uma alteração de voo que “teria impacto no resto dos passageiros”.
Mas houve mais: em janeiro, na véspera de uma audição parlamentar sobre o caso Alexandra Reis, a CEO da TAP foi convocada para uma reunião com deputados socialistas – entre os quais Carlos Pereira – e elementos de vários gabinetes ministeriais para preparar a inquirição na Comissão de Economia. Segundo os nomes dos participantes, revelados por Christine Ourmiéres-Widener, a VISÃO apurou que, no encontro, estiveram elementos do gabinete da ministra dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, e do novo ministro das Infraestruturas, João Galamba. Aliás, a sugestão da reunião terá mesmo partido do gabinete do sucessor de Pedro Nuno Santos.
A CEO da TAP revelaria ainda ter tido uma reunião com Fernando Medina na véspera do anúncio da sua demissão e em nenhum momento foi informada de que seria demitida com justa causa, apenas que a “situação estava complicada”. Aliás, segundo a sua versão, nessa reunião, Medina pressionou-a a apresentar a demissão.
“Não estava à espera de tão alta pressão política quando entrei na companhia”, afirmou a ainda presidente executiva da TAP, em resposta ao deputado da IL Bernardo Blanco, na comissão parlamentar de inquérito à transportadora aérea.
Christine Oumières-Widener admitiu ainda que aquela pressão não deixou a companhia “concentrar-se no seu negócio”.
“Era fácil trabalhar com tanto ruído à volta da companhia? Tem sido muito difícil e ainda é. […] É triste ver que toda a gente quer criticar e garantir que a companhia” não chega a bom porto, afirmou a responsável, sublinhando que tem sido difícil para si e para os trabalhadores da empresa.
A ainda CEO da TAP, Christine Ourmiéres-Widener, confirmou esta terça feira que o governo invocou justa causa para a despedir. Porém, “ainda hoje”, a CEO da TAP não sabe até quando tem que permanecer na empresa, já que a notificação formal que recebeu, uma semana após a conferência de imprensa de Fernando Medina e João Galamba, não faz qualquer menção à data de cessação do contrato.