“Paraíso”, cantada em francês, tem libreto do dramaturgo Clément Bondu, é dirigida pelo maestro Pedro Neves, e interpretada por seis músicos, entre os quais o próprio compositor e a soprano Eduarda Melo. A direção artística e coreografia são de Marcos Morau.
Além de Nuno da Rocha (guitarra), o ensemble é composto pelos músicos André Hencleeday (piano), Paulo Bernardino (clarinete), João Silva (trompete), Raquel Reis (violoncelo) e Marco Fernandes (percussão), aos quais se juntam os bailarinos Lorena Nogal, Shay Partush, Ester Gonçalves, Emanuel Santos e Margarida Belo Costa.
O compositor Nuno da Rocha recorda à agência Lusa que recebeu “um convite muito bonito e muito aberto para pensar numa peça multidisciplinar”, refletindo de certo modo as diferentes valências artísticas do CCB, o que acabou por conduzir a “Paraíso”.
Esta é a primeira vez que o maestro Pedro Neves dirige uma obra de Nuno da Rocha, que se referiu ao regente, atual titular da Orquestra Metropolitana de Lisboa, como uma “figura central da música contemporânea em Portugal”.
“Paraíso” é “uma espécie de ‘poslúdio'” de uma obra anterior do compositor, a peça coral-sinfónica “Inferno”, também com libreto de Clément Bondu, estreada em 2020, em Lisboa.
“O que une estas duas peças, é que este ‘Paraíso’ é o mito de Orfeu” e o facto de “cada uma” se centrar “numa figura ‘secundária’ do mito”, explica Nuno da Rocha à Lusa. “A ponte narrativa entre estas duas peças, no ‘Inferno’, é o [barqueiro] Caronte e, no ‘Paraíso’, uma das ninfas que cortou a cabeça de Orfeu”, a quem Clément Bondu chamou Kalis.
“Esta Kalis conta na primeira pessoa o passado e o presente daquele espaço”.
De acordo com o texto de apresentação da obra, “Paraíso” é assim a história de uma ilha para onde as Ménades “fugiram do continente, dos fogos, da guerra e do caos. À deriva, através do mar, Kalis e as Ménades acabaram por chegar à ilha, onde criaram uma nova sociedade de partilha e convívio”.
Nuno da Rocha reconheceu que há “referências diretas” nesta ópera de câmara e na peça anterior à “Divina Comédia”, de Dante. “É estruturalmente o mito de Orfeu, é a partir do mito de Orfeu que são criadas estas duas peças, sendo que o ‘Paraíso’ é consequente da primeira, ‘Inferno’, que não tem cena”, sendo uma peça concebida para coro e orquestra.
O compositor convidou o libretista Bondu, com quem tem “afinidades”. Os dois conheceram-se num ‘workshop’ no Festival de Avignon, na mesma altura em que o compositor conheceu a soprano Eduarda Melo. “O seu registo e a interpretação que dá é o que imagino, quase nada tenho que dirigir na Eduarda, ela dá a entoação que pretendo”, afirmou à Lusa.
O libreto de “Inferno”, do poeta francês Clément Bondu, “foi algo que resultou”, por isso, “continuámos com este ‘Paraíso'”, justificou o compositor à Lusa.
Nuno da Rocha não projeta uma possível terceira parte. Quando terminou o “Inferno”, sentiu que a história não “ficava por ali”, mas acredita que, com “Paraíso”, fica fechada a temática.
“Imagine-se que eu faço a trilogia. Nesse caso, eu gostaria que fossem três formas diferentes, a primeira, o ‘Inferno’, uma peça coral-sinfónica, com um solista não cantor, a segunda peça [‘Paraíso’], uma ópera com dança, uma espécie de ópera-ballet e, caso existisse uma terceira, seria uma outra linguagem, por exemplo um filme que tivesse música minha”.
Nuno da Rocha disse à Lusa que sentiu “o peso da responsabilidade”, com o convite para os 30 anos do CCB, “mas não foi um peso negativo”. Pela “grande instituição que é o CCB”, sentiu “uma grande alegria”, reconhecendo “um fator que faz com que as coisas acontecessem bem”.
Licenciado em Composição pela Escola Superior de Música de Lisboa (ESML), onde estudou com compositores como Vasco Mendonça, Carlos Caires, Luís Tinoco e António Pinho Vargas, Nuno da Rocha foi Jovem Compositor em Residência na Casa da Música, no Porto. Desse período resultou o “Trio Portucale”, com versões estreadas pelo Remix Ensemble e a Orquestra Sinfónica Casa da Música.
Da composição que fez para a mostra “A kills B — ação imagética, Ifigénia e Isaac”, de João Ferro Martins e Hugo Canoilas, apresentada no Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, em 2011, às mais recentes “Paraíso”, “Inferno” ou “Ecce Puer”, Nuno da Rocha soma mais de uma década de escrita para diferentes formações e ensembles e trabalho desenvolvido com diferentes compositores contemporâneos, como Nigel Osborne, Louis Andriessen, Richard Ayres, Martijn Padding, Jan van de Putte, Micheal Smetanin e Helena Tulve, Magnus Lindberg, Fabio Vacchi, James Wood e Leo Samama.
Esteve em iniciativas como o Festival de Aix-en-Provence, a Academia de Verão na Áustria, o Encontro de Jovens Compositores de Apeldoorn, nos Países Baixos; foi selecionado para a “Opera Creation — Reflection” e o “Composing for Voice” da European Network of Opera Academies (ENOA), assim como para o TENSO Young Composers Workshop na Bélgica.
Entre as suas obras, destacam-se igualmente composições como “Quatro Últimas Canções, quatro personagens a partir do romance de Vasco Graça Moura”, que foi peça obrigatória para a categoria de Canto (nível superior), do Prémio Jovens Músicos, “O que será do rio without John Cage?”, para orquestra barroca, Prémio do Concurso de Composição da Sociedade Portuguesa de Autores/RTP, e “I could not think of thee as piecèd rot”, estreada pela Orquestra Gulbenkian.
Foi convidado para professor da ESML, onde lecionou Música, Edição e Montagem.
Em 2016 publicou o primeiro álbum monográfico, “Mesmo que faça frio”, que reúne “todas as suas obras para vozes brancas”.
Na temporada de 2017-2018 foi um dos compositores nomeados para a iniciativa Théâtre Opéra Texte et Écriture Musical, organizada pelo Festival de Avignon.
“Paraíso” estreia-se no CCB no próximo dia 27, às 20:00, no CCB, em Lisboa.
O espetáculo tem direção artística e coreografia de Marcos Morau, direção musical de Pedro Neves, e conta com os bailarinos Lorena Nogal, Shay Partush, Ester Gonçalves, Emanuel Santos e Margarida Belo COsta.
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