Há 12 anos, quando o Qatar foi escolhido para acolher o mundial de futebol deste ano, ter-se-ão ouvido tantas vozes vociferando contra a corrupção e as violações dos direitos humanos como agora? Talvez não, até porque a vida e a importância das redes sociais era outra e a balança desta era digital não estava tão polarizada.
Joseph Sepp Blatter, presidente da FIFA em 2010, disse esta semana numa entrevista ao jornal suíço Tages Anzeiger, que foi “um erro” e que “a escolha foi má”. “É um país demasiado pequeno. O futebol e o campeonato do mundo são demasiado grandes para ele”, reforça o antigo dirigente suíço. Contudo, espera-se um espectador atento aos jogos, a partir da sua casa em Zurique.
Quem já disse que não vai sequer acender o televisor é Éric Cantona, antigo futebolista francês: “Primeiro, o Qatar não é um país de futebol. Não há fervor, não há paixão. (…) Depois, porque é uma aberração ecológica, com o ar condicionado nos estádios… que loucura, que estupidez! Mas, acima de tudo, o horror humano, com as milhares de mortes durante a construção dos estádios, só para entreter a plateia durante um mês… e ninguém quer saber”, lamentou nas redes sociais. A mesma posição do Tim Sparv ex-futebolista finlandês e do alemão Joshua Kimmich, a jogar no Bayern de Munique, mas que reforça que esta pressão deveria ter sido feita há doze anos, quando o país foi o escolhido.
Entre os órgãos de comunicação social de todo o mundo, o jornal francês Le Quotidien já fez saber que não enviará nenhum jornalista para fazer a cobertura da competição.
Quase metade dos alemães (48%) entrevistados pela agência de notícias Deutsche Presse-Agentur são a favor da saída da seleção alemã do rol de equipas. Em abril deste ano, em França, 39% da população também concordava que a sua seleção deveria desistir deste mundial, segundo um inquérito da Odoxa para a RTL.
Mas, seria possível que a atual seleção detentora do troféu, conquistado em 2018 na Rússia, não estivesse presente em Doha, a partir de 20 de novembro?
Até agora, são várias as câmaras municipais francesas que já anunciaram que não vão montar telas gigantes nas suas principais praças de forma a que a população assista aos jogos. Paris, Lille, Marselha, Bordéus, Estrasburgo e Reims não terão fan zones.
“É impossível ignorarmos os muitos alarmes das ONG’s sobre o abuso e a exploração de trabalhadores migrantes. Estrasburgo, capital da Europa e sede do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos não pode fechar os olhos para que os direitos humanos sejam desrespeitados nesta medida”, sublinhou Jeanne Barseghian, autarca de Estrasburgo.
“Seria realmente difícil ter uma festa esquecendo os cadáveres e a situação humanitária na aberração que é este mundial”, corrobora Pierre Hurmic da câmara de Bordéus.
Na Bélgica, a situação repete-se nas cidades de Bruxelas, Jettte, Auderghem e Woluwe-Saint-Pierre. Nem ecrãs nas ruas, nem os bares mais tradicionais com os televisores ligados. “É realmente uma soma de vários fatores, desde a forma como o contrato foi atribuído, a escândalos de corrupção, a escândalos relacionados com a construção dos estádios, à escolha do país. A juntar a isso está o absurdo da atual crise energética, com todas as pessoas a questionar-se como vão pagar as contas, enquanto há um campeonato a decorrer em estádios com ar condicionado no meio do deserto”, lembra Emmanuel Simonis, proprietário do icónico café Caberdouche, em Bruxelas, em entrevista à Euronews.
Pelo mesmo caminho seguem outras cidades europeias como Londres, Lausanne, Genebra.
Recentemente, os alemães levantaram as vozes contra o mundial em pleno estádio. Os adeptos do Borussia Dortmund levantaram tarjas gigantes onde se lia: “Desliguem o Qatar”. Em Berlim, no jogo entre o Hertha e o Bayern Munique, os adeptos da casa apontaram também para o “desrespeito pelos direitos humanos” e deixaram claro: “15 mil mortos por 5 760 minutos de futebol. Deviam ter vergonha”.
O protesto dinamarquês faz-se através das famílias dos jogadores da seleção nacional que não viajarão para o Qatar para acompanhar os atletas. Também a Hummel, empresa que fornece os equipamentos da seleção da Dinamarca, revelou que um dos equipamentos será completamente preto, pelo luto das vítimas dos milhares de trabalhadores da construção civil mortos. “Esta camisola carrega uma mensagem. Não queremos ser visíveis durante um torneio que custou a vida a milhares de pessoas. Apoiamos a seleção dinamarquesa a todos os níveis, mas não o Qatar como organizador”, escreveu a marca alemã na rede social Twitter.
Até ao dia 20, muita água há de correr até um oásis que está longe de ser pacífico.