O crescimento, em área, do anticiclone dos Açores está a tornar os invernos do Mediterrâneo Ocidental, incluindo a Península Ibérica, mais secos, revela um estudo publicado na revista científica Nature Geoscience que analisou dados meteorológicos que remontam a 1850 fazendo, depois, modelos climáticos desde 850 a 2005.
Os investigadores concluíram que, desde 1850, já na era industrial, os invernos em que o anticiclone foi maior tornaram-se mais comuns, resultando em menos chuva e mais seca, nomeadamente em Portugal e Espanha. A Península Ibérica enfrenta, nesta altura, o clima mais seco em mais de um milénio (quase 1200 anos).
O anticiclone dos Açores é um grande centro de altas pressões atmosféricas (a pressão é a força exercida pela ar em determinado ponto da superfície) que influencia o clima da várias regiões do Norte de África, Europa Ocidental e Américas. Situado no Oceano Atlântico, perto do arquipélago dos Açores (daí o nome), forma com a Depressão da Islândia – um sistema de baixa pressão e fonte da maioria das frentes que transportam a humidade do oceano para a Europa e, com ela, a chuva – conjunto que estende por uma grande área do oceano e modela as condições meteorológicas.
Estes dois fenómenos formam os pólos opostos da chamada Oscilação do Atlântico Norte (NAO). No verão, os dois crescem e andam mais a norte, cortando a humidade. É isso o que dá ao clima ibérico aquele ambiente seco, estável e quente. No inverno, o anticiclone dos Açores encolhe antes da depressão da Islândia. E é isto que tem vindo a mudar.
De acordo com os investigadores, o anticiclone está a expandir-se muito além dos seus limites habituais e com uma frequência cada vez maior O estudo indica que, no século XX, ocorreram 15 eventos extremos em que o anticiclone dos Açores foi até 50% maior. Em comparação, nos 1100 anos antes, a média por século era de nove. Além disso, o fenómeno acelerou-se ainda mais nos invernos das últimas décadas.
“O nosso estudo incidiu especificamente nos meses de inverno, uma vez que é a principal estação em que a Península Ibérica recebe a maior parte das suas chuvas. As mudanças no tamanho e posição das altas pressões dos Açores durante esses meses têm um grande impacto no transporte de humidade desde o Atlântico, direcionando o sistema de chuva”, disse Caroline Ummenhofer, autora principal do estudo, citada pelo jornal espanhol El País.
Os cientistas usaram vários modelos climáticos para estimar os invernos em que as altas pressões atmosféricas ultrapassaram o limite. Esses modelos foram ajustados a dados de estações meteorológicas espalhadas pela região – os de Lisboa e dos Açores, por exemplo, remontam a 1850. Recorreram, também, a informações climatéricas mais indirectas, como as estalagmites de um gruta portuguesa, que conservam informações muito mais antigas no que diz respeito à precipitação.
“As nossas análises mostram que os invernos com um anticiclone especialmente grande dos Açores coincidem com condições invulgarmente secas na Península Ibérica durante o inverno”, detalhou Caroline Ummenhofer. Por outro lado, continua, “as frentes de tempestade do Atlântico Norte estão a fortalecer-se mais a norte, com a Noruega e o norte das ilhas britânicas a terem condições anormalmente húmidas”.
Os investigadores são da opinião de que a industrialização, ou seja, a mão humana, pode explicar este fenómeno de expansão do anticiclone. Nos últimos anos, a Península Ibérica foi atingida por várias ondas de calor e secas.
Em maio, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera avisou que 97% do território estava em situação de seca severa, e, depois, alertou que se vai verificar um “aumento da área em seca extrema” em junho.