Que técnicas utiliza a aplicação de partilha de vídeos mais bem sucedida do mundo para manter os seus utilizadores interessados? A estratégia do algoritmo do TikTok passa por quatro pontos principais, que a empresa traduz como “valor do utilizador”, “valor do utilizador a longo prazo”, “valor do criador”, e “valor da plataforma”.
Estes quatro princípios estão enunciados num documento interno, destinado aos colaboradores do TikTok, a que o The New York Times teve acesso. O documento, cuja autenticidade já foi confirmada por uma porta-voz da aplicação, Hilary McQuaide, oferece um olhar detalhado sobre as regras que regulam o algoritmo da aplicação.
O algoritmo tem em conta aspetos subtis como a nossa tendência para o aborrecimento ou a nossa sensibilidade às sugestões culturais, para desenvolver um sistema matemático que tem por objetivo angariar novos utilizadores e manter os atuais ‘colados’ ao ecrã do smartphone.
A aplicação de partilha de vídeos distingue-se de outras redes sociais no sentido em que é mais baseada no entretenimento do que na conexão com amigos, família e conhecidos – além de que possibilita aos utilizadores criarem os seus próprios vídeos de maneira fácil e intuitiva. E para os utilizadores que não criam qualquer tipo de conteúdo, apenas consomem – que são a maioria – o TikTok parece ser assustadoramente bom a apresentar justamente o conteúdo que queremos ver. Para qualquer interesse, por mais específico que seja, existem vídeos no TikTok sobre isso.
O algoritmo é “alimentado” por múltiplas informações, incluindo gostos e comentários, a quantidade de tempo que passamos a ver um certo vídeo, e informações do próprio vídeo como descrições, hashtags e o som utilizado.
Esta informação permitiu à aplicação desenvolver uma equação – que foi descrita no documento a que o NYT teve acesso, embora numa versão simplificada – que privilegia dois fatores importantes na forma como os utilizadores navegam na aplicação: a “retenção”, ou seja, se um utilizador regressa à aplicação, e o “tempo gasto”.
A aplicação pretende que os utilizadores permaneçam o máximo de tempo possível, e que continuem sempre a regressar. “Este sistema significa que o tempo de visionamento é fundamental. O algoritmo tenta deixar as pessoas viciadas em vez de lhes dar o que realmente querem”, explica Guillaume Chaslot, o fundador da Algo Transparency, uma empresa francesa que também já analisou o sistema de recomendações do YouTube.
Mas Chaslot revela algumas preocupações quanto ao funcionamento do algoritmo do TikTok: “Penso que é uma ideia louca deixar o algoritmo do TikTok conduzir a vida dos nossos filhos”, admite. “A cada vídeo que uma criança vê, o TikTok ganha um pedaço de informação sobre ela. Em poucas horas, o algoritmo pode detetar os seus gostos musicais, a sua atração física, se está deprimida, se pode estar envolvida em drogas, e muitas outras informações sensíveis. Há um risco elevado de que alguma desta informação seja utilizada contra ela. Poderia ser potencialmente utilizada para a atingir ou para a tornar mais viciada na plataforma”.
Assim, a aplicação consegue desenvolver um “sistema de pontuação”, que atribui uma pontuação a cada vídeo baseando-se na atividade real do utilizador: quantifica os gostos, comentários e tempo de visionamento. Depois de combinados os três fatores, o algoritmo recomenda ao utilizador os vídeos com pontuações mais altas.
De facto, a atividade do utilizador dá imensas pistas à aplicação sobre aquilo que gosta ou não de ver. Além daqueles três fatores, existem muitos outros que a aplicação regista para definir que vídeos são apresentados na página “For You” do TikTok – contas que o utilizador segue, ou as que estão ‘escondidas’, comentários que o utilizador deixou, ou até que vídeos marcou como ‘não interessado’ ou que reportou como inapropriados. Todas estas ações providenciam algum tipo de informação ao algoritmo.
A aplicação garante ainda que o conteúdo apresentado é constantemente diversificado. “Por vezes pode deparar-se com um vídeo no seu feed que não parece ser relevante para os seus interesses expressos ou que tenha acumulado um grande número de gostos”, pode ler-se num comunicado do TikTok do ano passado. “Esta é uma componente importante e intencional da nossa abordagem de recomendação: trazer uma diversidade de vídeos para o seu feed “For You” dá-lhe oportunidades adicionais de encontrar novas categorias de conteúdo, descobrir novos criadores, e experimentar novas perspetivas e ideias enquanto percorre o seu feed”.
Além disso, o TikTok investe ainda numa estratégia de ‘dispersão’. Não são apresentados ao utilizador dois vídeos de seguida que tenham sido feitos pelo mesmo criador de conteúdos, ou que tenham o mesmo som. A aplicação procura distribuir os conteúdos de maneira a que se mantenham interessantes, e não aborrecidos, e evitando padrões repetitivos.
Mas apesar de este sistema algorítmico funcionar bastante bem para a aplicação, é na verdade “totalmente razoável” e até “tradicional”. Quem o diz é Julian McAuley, professor de informática na Universidade da Califórnia em San Diego, que reviu o documento. A grande vantagem do TikTok, explica ao NYT, é a combinação deste sistema com “volumes fantásticos de dados, utilizadores altamente empenhados, e um cenário onde os utilizadores são recetivos ao consumo de conteúdos algoritmicamente recomendados (pensem como poucos outros cenários têm todas estas características!). Não se trata de magia algorítmica”.
O documento explica ainda estratégias que o TikTok utiliza para, por exemplo, promover vídeos monetizados – que são lucrativos – e evitar aqueles que tentam “fintar” o algoritmo, através, por exemplo, de pedidos diretos aos utilizadores para que gostem do vídeo.