Os novos parques infantis alemães defendem uma nova aproximação à brincadeira: menos segurança, mais riscos. Tudo na medida certa, claro. A ideia vem de um corpo crescente de educadores, professores e produtores de parques infantis que acreditam que os parques devem deixar de privilegiar um ambiente de alta segurança e aversão ao risco, para passarem a incorporar uma dose moderada de perigo. Algum risco permitirá às crianças aprenderem a lidar com situações difíceis e a superar obstáculos – capacidades que lhes serão úteis na vida adulta.
A tendência surgiu depois de, no ano passado, um grupo de companhias seguradoras ter apelado aos planeadores urbanos alemães que desenvolvessem estruturas em que as crianças pudessem brincar ao mesmo tempo que se familiarizavam com uma “competência de risco”. A ideia fazia sentido, especialmente depois de, durante a pandemia, as crianças terem passado muito mais tempo dentro de casa, e os novos parques infantis mais arriscados começaram a surgir.
A Triitopia, em Berlim, é um exemplo: a estrutura inclui um emaranhado de cordas que formam uma “teia de aranha” para trepar, um escorrega, e escadas de corda penduradas que terminam numa plataforma com uma altura máxima de 10 metros. Foi construída em 2018 no Ludwig Lesser Park, em Frohnau, Berlim, e desde então outras semelhantes seguiram-se.
“Os parques infantis são ilhas de livre circulação num ambiente motorizado e perigoso”, afirma Rolf Schwarz, professor na Universidade de Educação de Karlsruhe, que aconselha as empresas fabricantes de parques infantis. “Se queremos que as crianças estejam preparadas para o risco, temos de permitir que elas entrem em contacto com o risco”.
A Berliner Seilfabrik, empresa que produziu a Triitopia, prepara-se agora para apresentar novas estruturas na Feira de Desporto e Lazer, que irá decorrer esta semana em Colónia: a “DNA tower” e a “Tower4”, com sete e dez metros de altura, respetivamente. David Köhler, co-diretor da empresa, acredita que as suas estruturas desafiam as crianças sem representarem um perigo excessivo. “As crianças podem eventualmente sentir-se inseguras das primeiras vezes que escalarem as nossas estruturas, mas isto é o que na verdade as torna mais seguras. Porque quando nos estamos a sentir inseguros, também somos extra cuidadosos”, explica.
Na Alemanha operam cerca de 60 produtores de estruturas, que fornecem mais de 120 mil parques infantis no país, além de exportarem também para todo o Mundo. Os equipamentos de parques infantis na Alemanha são certificados pela empresa de auditoria TÜV para garantir que as condições de segurança são asseguradas. Este sistema permite que as empresas fabricantes das estruturas possam proteger-se em tribunal de quaisquer acusações em caso de acidentes. Tal não acontece em países como os EUA ou o Reino Unido, e também em Portugal, em que as certificações são feitas por empresas externas ou pelos próprios fabricantes das estruturas, o que os torna mais suscetíveis a acusações legais e por isso mais avessos ao risco.
Na Triitopia, por exemplo, a altura máxima de que uma criança corre o risco de cair é de três metros, apesar do seu tamanho elevado. Na estrutura de escalada em forma de “teia de aranha”, 1.80 metros é a altura máxima de risco de queda.
“Os parques infantis modernos exploram os limites do que é permitido dentro dos regulamentos”, diz Steffen Strasser da Playparc, uma outra empresa fabricante de estruturas para parques infantis. “Quando concebemos novas estruturas de parques infantis, tentamos construir desafios: um obstáculo, por exemplo, que uma criança pode não conseguir ultrapassar as primeiras nove vezes, mas depois consegue na décima tentativa”.
Uma tendência para ficar?
É nessa sensação de confronto com situações desafiantes, negociação dos riscos e superação dos obstáculos que reside o ganho para as crianças, defendem cada vez mais pessoas ligadas à indústria dos parques infantis mas também educadores e investigadores. Um estudo australiano de 2008, por exemplo, refere que “o desafio e o risco, em particular durante os jogos ao ar livre, permitem às crianças testar os limites do seu desenvolvimento físico, intelectual e social”.
“Apesar de o termo ‘correr riscos’ ter frequentemente conotações negativas, a realidade é que a participação em algumas actividades arriscadas proporciona oportunidades de aprender novas competências, experimentar novos comportamentos e, em última análise, atingir o nosso potencial”, pode ler-se.
E talvez Portugal também beneficie em implantar medidas como esta. Carlos Neto, professor catedrático na Faculdade de Motricidade Humana, tem vindo a desenvolver um trabalho de investigação académica centrado no papel do brincar e do jogo no desenvolvimento das crianças e é dos maiores especialistas na matéria a nível global. Numa TED Talk de 2017, afirmou que se verifica em Portugal “uma diminuição das competências motoras e sociais das crianças”, “uma diminuição do tempo e do espaço para que as crianças possam brincar livremente” e que, em consequência, estas “têm problemas muito sérios de liberdade e autonomia”.
De facto, refere um estudo no qual participou que indicou que as crianças portuguesas são das que têm um índice mais baixo de autonomia e mobilidade, ocupando a 14ª posição em 16 países. Os países do norte da Europa são aqueles que ocupam os lugares cimeiros, onde as crianças são mais autónomas, têm mais liberdade e passam mais tempo no exterior.
O professor defende que as crianças beneficiam de uma exposição ao risco durante as brincadeiras, pois desenvolverão assim capacidades adaptativas ao nível motor, social, emocional e cognitivo, já que brincar é um comportamento essencial e natural. “Precisamos de libertar as crianças, de lhes dar mais risco e mais autonomia e mais participação”, defende. “O risco é um valor fundamental, que significa autonomia, confiança, segurança. Quem não tem risco não ganha segurança”.
Em Portugal, o Decreto-lei 203/2015 regula as condições de segurança dos espaços de jogo e recreio, onde se incluem os parques infantis. Estabelece-se que “a conformidade com os requisitos de segurança deve ser atestada pelo fabricante ou seu mandatário ou pelo importador estabelecido na União Europeia”. As entidades responsáveis pelo espaço devem também celebrar um “seguro de responsabilidade civil por danos corporais causados aos utilizadores em virtude de deficiente instalação, manutenção, assistência ou vigilância nos espaços de jogo e recreio”. Estas entidades estão ainda obrigadas a inspeções de rotina efetuadas diariamente, e inspeções operacionais todos os meses, sendo a fiscalização do cumprimento destas normas competência das câmaras municipais.