O processo complexo de registar uma patente é, muitas vezes, um passo que os criadores decidem tomar como forma de proteger as suas invenções. Mas até que ponto é possível proteger a criação original de cópias, num mercado mundial tão saturado?
Uma publicação na conta de Instagram do pivô da TVI José Alberto Carvalho, onde relata que a filha Joana, empreendedora de uma marca de acessórios de exterior, foi contactada por uma empresa que “reclama ter registado a patente de um objeto de tecido piramidal no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual”, levanta algumas questões.
O que salta logo à vista é até que ponto é possível patentear a forma geométrica de um objeto. Será que podemos registar a forma esférica de uma bola? Ou a forma retangular de uma porta? Estas questões não são nada lineares. “Basicamente, as patentes são um direito de propriedade industrial. O objeto desse direito são invenções que têm caráter técnico. Ou seja, temos uma inovação, que consiste numa invenção com caráter técnico, e essa invenção, para ser protegida, tem de ser nova e tem de ter atividade inventiva, ou seja não pode ser óbvia” explica à VISÃO Vítor Fidalgo, diretor jurídico da consultora Inventa International e Professor na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
A patente tem uma duração de 20 anos, sem possibilidade de renovação, de forma a permitir “um equilíbrio entre o esforço inventivo e recompensar a pessoa que inventou algo novo e o interesse público”, acrescenta o professor. “Se fosse possível haver uma renovação eterna da proteção por patente, então até hoje, por exemplo, a patente sobre as impressoras ou outros materiais ainda estariam protegidas, Existe um limite temporal e, durante aquele tempo, há um monopólio que é privado e que implica um afastamento da concorrência”, continua Vítor Fidalgo. No entanto, as patentes podem ser cedidas a outras empresas para explorar a invenção, estando estipulado que têm de pagar o valor definido pelos royalties.
Além das patentes, há também outros registos que podem ser obtidos e que, muitas vezes, podem causar confusão de interpretação. Através do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), os inventores podem registar marcas, logótipos, patentes, modelos de utilidade, designs, denominações de origem e indicações geográficas. Todos têm funções e durações diferentes, bem como direitos territoriais por país, ou seja, no caso de a patente só estar registada em Portugal, pode ser reproduzida no estrangeiro.
Um outro requisito para registar um invenção é a novidade: o produto tem de ser visto em termos absolutos e, portanto, é realizada uma confirmação a nível mundial. Caso a invenção já exista na China, por exemplo, o registo em Portugal é recusado. “Apesar de os direitos serem territoriais, o requisito novidade é visto em termos globais”, afirma o professor.
Relativamente à forma dos objetos, o registo associado à forma está inserido nos direitos de propriedade intelectual, que é o design, e não propriamente à patente. “O design ou chamado desenho ou modelo que protege as formas novas, por exemplo uma cadeira com um novo formato ou novo padrão, esse tipo de inovação estética é protegido por design e não por patente. Ou seja, patente só protege invenções técnicas, mas não pela questão da forma, a não ser que a forma dê um novo caracter técnico ao produto. Só por razões estéticas não é possível”, explica Vítor Fidalgo.
Por exemplo, no caso dos iPhones, há diversos direitos de propriedade intelectual a ter em conta. “Tem a marca que é a Apple, o design protegido por ter um novo padrão metálico e não por ser retangular, tem os direitos das patentes inseridas dentro do telefone, que protegia o Face ID…”. Desde que “ninguém tivesse feito daquela forma, o direito exclusivo de design seria concedido e durante 25 anos haveria um exclusivo”, que é um problema que ocorre muitas vezes no setor da moda. É comum as malas e os sapatos terem o design protegido, como por exemplo os Louboutin ou a Bottega Veneta. O formato da garrafa Coca-Cola é outro exemplo de um objeto que está protegido pelo seu design inovador, aquando da proposta de registo.
No caso do registo de design, desde que os limites sejam respeitados, como é o caso da novidade e o carácter singular do objeto, é possível confirmar o seu registo, desde que seja a primeira empresa a fazer a proposta e obtendo, assim, um controlo por 25 anos.
“Se eu fizer um objeto com formato diferente, ou mesmo que seja piramidal, mas com coisas diferentes, eu diria que até posso conseguir registar, porque a proteção às vezes não é assim tão absoluta”, defende o Professor de Direito.
“Não faz sentido alguém ser prejudicado por fazer um objeto com o mesmo formato, porque só poderia haver problema se usasse o mesmo tecido, por exemplo“
Numa área tão sensível, é frequente surgirem conflitos de interesses. Nesses casos, os proprietários devem contratar um advogado e, caso o processo siga para Tribunal, os litígios que envolvam propriedade industrial são tratados pelo Tribunal da Propriedade Intelectual. “O que importa perceber é se essa invenção é uma solução técnica para resolver um problema que é especificamente técnico. A patente tem de ser uma invenção, até pode ser algo que já exista, mas tem de ser uma invenção com um domínio mais tecnológico, que faça com que aquela invenção seja algo completamente diferente. Não é só melhorar o produto ou modificar a forma ou a cor, porque senão era fácil patentear tudo e mais alguma coisa”, explica, por seu lado, Ana Catarina Silva, advogada especialista nestas matérias.
Relativamente ao design, a advogada afirmou existir “uma confusão comum e geral relativamente ao que é uma patente e um design ou marca” e defende que “não faz sentido alguém ser prejudicado por fazer um objeto com o mesmo formato, porque só poderia haver problema se usasse o mesmo tecido, por exemplo”.
De acordo com os dados disponibilizados pela Inventa International, uma empresa portuguesa especializada em consultoria de Propriedade Intelectual, em Portugal, o número de pedidos de patente tem vindo a aumentar desde 2000 até 2018, passando de 193 para 1643, respetivamente. Desses números, verifica-se que 29.5% do total de pedidos de patentes apresentados (17.478) foram concedidos.