Um novo estudo publicado, esta terça-feira, na revista científica Environmental Science & Technology Letters está a deixar os consumidores em estado de alerta.
Ao analisarem 231 produtos de maquilhagem comprados nos Estados Unidos e no Canadá, os investigadores descobriram que 52% continham os chamados PFAS, substâncias químicas potencialmente tóxicas que também podem ser encontradas nomeadamente em embalagens de comida e têxteis.
A equipa liderada por Graham Peaslee, professor de física, química e bioquímica da Universidade de Notre Dame, no Indiana, utilizou um marcador para PFAS – o flúor químico, que é diferente do flúor inorgânico adicionado à água potável – e a surpresa foi enorme, confessa Peaslee. “Descobrimos o flúor em todos os tipos de cosméticos. Não esperávamos que quase todos os cosméticos brilhassem como aconteceu.”
Mais de três quartos das máscaras de pestana à prova de água, quase dois terços das bases e dos batons líquidos, e mais de metade dos produtos para os olhos e para os lábios tinham altas concentrações de flúor.
Além disso, amostras de 29 dos produtos que apresentaram os níveis mais altos de flúor foram enviadas para um laboratório externo, onde se procurou identificar 53 PFAS específicos. A análise descobriu que cada um desses 29 produtos continha, pelo menos, quatro PFAS preocupantes.
Com uma agravante, sublinha Peaslee: 28 desses 29 produtos nem sequer divulgavam a existência de PFAS nos seus rótulos. “Nalguns deles, pode não ser intencional, pode ser um problema de fabrico, mas existem vários produtos em que os níveis são tão altos que tiveram de ser adicionados intencionalmente para se obter algo como a durabilidade ou a resistência à água, porque é isso que os PFAS fazem muito bem.”
Citado pela CNN, David Andrews, cientista do grupo ativista ambiental Environmental Working Group (EWG), considera que os resultados são «um pouco chocantes», mas que poderão funcionar como uma chamada de atenção para a indústria da cosmética.
«O PFAS mais comum é o politetrafluoretileno, o ingrediente mais conhecido como Teflon, ou o revestimento de frigideiras», explica o investigador. «Mas no total, identificámos treze tipos de químicos PFAS em mais de 600 produtos de 80 marcas», acrescenta David Andrews, referindo-se a dados recolhidos pela EWG, nos últimos tempos.
Susana Fonseca, da direção da associação ambientalista Zero considera “muito possível” a presença de PFAS em cosméticos à venda em Portugal. “Os PFAS são um grupo muito alargado de substâncias químicas e só as que estão regulamentadas têm limites”, sublinha.
A mesma representante ressalva, porém, que a legislação europeia é “muito mais apertada” do que nos Estados Unidos. “Não é comparável”, diz. “Mas, mesmo sendo a União Europeia a zona do globo em que a regulamentação é mais apertada, nós, enquanto ONG, achamos que ainda há muito a fazer.”
Em 2018, dois estudos realizados na Dinamarca e na Suécia detetaram a presença de PFAS em vários produtos de cosmética. “Houve, por isso, marcas que se comprometeram a retirá-las”, recorda.
Agora, face a este novo estudo, Susana Fonseca não hesita: “Especificamente no caso dos cosméticos, as pessoas não devem comprar produtos nos Estados Unidos ou online. Se eles forem vendidos cá, não há problema porque significa que seguem a legislação europeia.”
Os PFAS devem constar na lista de ingredientes, mas os seus diferentes nomes nem sempre são fáceis de decifrar. Na dúvida, o que é que os consumidores podem fazer?
“Podem escolher cosméticos com poucos ingredientes – é como com o pão ou com os têxteis: quanto mais simples, melhor”, aconselha a representante da Zero. “Também podem optar por comprar produtos que tenham o rótulo ecológico europeu ou um outro rótulo credível, como o Blue Angel; e, já agora, perguntar às marcas se usam PFAS, para demonstrar que estão preocupados.”
Os PFAS são utilizados em forma líquida na indústria, pela sua capacidade de tornar os produtos impermeáveis à água e a gorduras. Encontram-se, nomeadamente, em tecidos e couros, inseticidas, espuma de extintores de incêndio e detergentes.
Além da questão ambiental, porque acabam nos lençóis freáticos, os PFAS podem representar um perigo para a saúde humana quando utilizados como revestimento de embalagens de papel que vão estar em contacto com alimentos e bebidas.
“Um dos grandes riscos que temos hoje em dia é que, com a fobia do plástico fóssil, estão a aparecer no mercado substâncias e materiais que necessitam de ajuda química para terem as características do plástico, e estes PFAS são usados como impermeabilizantes, são barreiras contra a gordura”, nota Susana Fonseca.
E, se uns são cancerígenos, outros interferem com o sistema hormonal. “Os PFAS são desreguladores endócrinos, e neste caso não é a dose que faz o veneno”, ensina. “Pode depender mais do timing do que da dose.”
O perigo é acrescido pelo facto de serem forever chemicals (químicos para sempre) – são persistentes, não se degradam e muitas vezes bioacumulam.
O risco é maior no caso do contacto com alimentos, mas também não é descartável no caso dos cosméticos. “Usados diariamente, numa base para a cara, num creme para o corpo, pode haver acumulação”, nota Susana Fonseca.
Devemos, então, estar preocupados? “Devemos estar atentos, porque muitos dos PFAS não estão proibidos e nós podemos sempre encontrá-los no nosso caminho.”