Durante 20 anos, o Vaticano apostou em empresas farmacêuticas que produzem, entre outros medicamentos, a chamada pílula do dia seguinte, cuja utilização vai contra os ideais defendidos pela Igreja. Ao todo, até 2016, foram investidos 20 milhões de euros. A informação foi avançada a semana passada pela imprensa italiana e confirmada ao canal Rai 3, em entrevista, por Libero Milone, antigo auditor geral responsável pelas contas da Santa Sé.
“Por 20 anos, até 2016, o Vaticano investiu numa indústria que produziu a pílula do dia seguinte”, foram as declarações do empresário italiano. As farmacêuticas em causa tratam-se da Novartis e da Roche, ambas empresas suíças. A primeira é mesmo, por meio da sua subsidiária, a Sandoz, uma das principais produtoras da pílula do dia seguinte.
O antigo auditor geral do Vaticano disse ainda que foi o próprio que considerou o financiamento destas empresas como um “investimento de risco”, uma vez que iam contra a doutrina defendida pela Igreja Católica, acrescentando que chegou a comunicar o caso às altas hierarquias do Vaticano. A pílula do dia seguinte é considerada por este como tendo efeitos abortivos, tendo, em 2000, sido emitido um comunicado em que a Santa Sé se pronunciava contra a sua utilização e pedindo aos médicos que alegassem objeção de consciência e não a subscrevessem. Segundo as declarações de Milone, essa altura corresponderia ainda ao período em que o Vaticano financiava as farmacêuticas.
O financiamento era feito através da Administração do Património da Sé Apostólica (APSA), que funciona como uma espécie de “Banco Central” do Vaticano. Segundo Milone, estes investimentos não são propositados, parte de alguma conspiração ou prova de má conduta, considera-os antes descuidados. Após o relatório efetuado pelo antigo auditor, as ações que o Vaticano detinha na Novartis teriam sido “imediatamente vendidas” para evitar um possível escândalo. Milone foi afastado do cargo em 2017, devido a uma suspeita de que estivesse a trabalhar como espião.
O atual presidente da APSA, Nunzio Galantino, nomeado para o cargo, em 2018, pelo Papa Francisco, afirmou, ao jornal italiano il Fatto Quotidiano, que os investimentos do governo administrativo da Igreja Católica seguiam “critérios éticos”, com a intenção de evitar que sejam realizados em empresas que vão contra os valores defendidos. Em entrevista ao jornal, acrescentou ainda que não teve conhecimento sobre estes investimentos, uma vez que não fazia ainda parte da Administração do Património da Sé Apostólica.
O Papa Francisco emitiu na quinta-feira, 29, novas regras para combater a corrupção, que faz com que os cardeais e gestores do Vaticano sejam obrigados a declarar se investem apenas em fundos compatíveis com a doutrina católica e que não estão sob investigação criminal, nem têm dinheiro em paraísos fiscais.