Há dois anos, a publicação As mulheres em Portugal, hoje: quem são, o que pensam e o que sentem, um estudo coordenado por Laura Sagnier e Alex Morell, para a Fundação Francisco Manuel dos Santos, reunia informação recolhida junto de 2,7 milhões de mulheres, entre os 18 e os 64 anos, sobre temáticas tão diversas como as características, os hábitos e as atitudes perante a vida, a relação com a pessoa parceira, os filhos e as filhas, o trabalho pago, o trabalho não pago, a família de origem, as pessoas amigas, a situação económica, o assédio moral no trabalho, o assédio sexual, a violência doméstica e de género, entre outras.
No capítulo em que abordam a temática do assédio moral e sexual em contexto laboral, 16% responderam já ter sofrido assédio sexual no local de trabalho e mais de um terço (35%) declarou ter enfrentado alguma das três situações consideradas de assédio moral no trabalho. A perseguição profissional (20%), em que o trabalho é sistematicamente desvalorizado, de forma recorrente definiram-lhe objetivos e prazos impossíveis de atingir; a intimidação (19%), fazendo sentir-se alvo de ameaças de despedimento; a humilhação pessoal (14%); as insinuações sexuais/atenção sexual não desejada (13%) e o contacto físico não desejado (7%) foram apontadas como as principais formas de assédio.
As mulheres com experiência no mercado de trabalho foram divididas em quatro tipos: as que passaram por situações de assédio sexual e moral (9%), as que enfrentaram ou só assédio sexual (7%) ou só assédio moral (26%) e as que nunca passaram por nenhuma das situações anteriores (53%). É na faixa etária dos 28 aos 34 anos que mais se verificaram situações de assédio moral (33%); entre as que têm 50 ou mais anos situa-se o valor mais elevado das que nunca passaram por nenhuma situação de assédio no trabalho (61%).
O assédio sexual aconteceu mais a mulheres que se definem como “seguras-tolerantes” (24%) e “liberais” (21%), mais do que estar relacionado com a idade ou o nível de escolaridade, é a atitude que fica em causa.
Não há dúvida de que é uma questão de poder no masculino. O assédio moral no trabalho foi principalmente praticado por um superior hierárquico no qual a proporção de mulheres (43%) ultrapassa a dos homens (39%). Uma tendência mantida entre o restante staff, entre as restantes pessoas que as assediaram moralmente no trabalho, sendo que no caso dos colegas, a proporção de mulheres é inclusivamente o dobro da dos homens (22% face a 11%). Já nos casos de assédio sexual no trabalho, quem as assediou foram quase exclusivamente homens, ora um superior hierárquico (56%) ou colega (36%).
Em Espanha, esta semana, foi divulgado o resultado de uma pesquisa feita entre mais de mil mulheres para analisar padrões, dificuldades em denunciar e procura de soluções para os casos de assédio sexual. E uma das principais conclusões aponta que um em cada seis homens (16,8%) está convencido de que as mulheres têm algum prazer quando lhes fazem avanços sexuais no trabalho e um em cada três (30%) entende que o ato de olhar sexualmente para uma colega é um “elogio” para eles.
Estes são os dados e testemunhos do relatório “Assédio sexual e assédio por motivos sexuais no local de trabalho” em Espanha, apresentado na passada quinta-feira, 29, promovido pela Delegação do Governo contra a Violência de Género e elaborado pelo sindicato das Comissões de Trabalhadores. O trabalho reúne informação recolhida em entrevista a 1 119 mulheres, entre os 16 e os 74 anos, de todas as comunidades autónomas de Espanha que sofreram algum tipo de assédio sexual no trabalho.
De acordo com o relatório, 72,7% das mulheres e 60,9% dos homens rejeitam que as trabalhadoras se sintam lisonjeadas quando olham para elas sexualmente e 82,4% das mulheres e 74,1% dos homens negam que gostam quando os seus colegas lhes fazem avanços sexuais, de acordo com os dados da Pesquisa de Perceção Social da Violência Sexual de 2018, que também integram este relatório, entre outros.
Do total das 1 119 trabalhadoras, os 72% que apresentaram um depoimento não o divulgaram à empresa. Destes, 62% não o fizeram por medo de retaliação, constrangimento ou medo de receber comentários depreciativos de colegas ou mesmo perder o emprego.
Os tipos de assédio mais comuns, dependendo do trabalho, são piadas sexistas (83,1%), elogios e comentários sexuais (75%), gestos ou olhares sugestivos (73%) e contacto físico (67%). Também em Espanha, essas práticas são realizadas principalmente por superiores hierárquicos (47%), pessoas da mesma categoria profissional (32%) e outras pessoas (9%), entre as quais estão familiares e amigos do chefe (2%) e clientes (2%).
Não existe um perfil específico de vítimas, mas existem situações que aumentam o risco de se transformar numa. Por exemplo, se as mulheres forem jovens, se não tiverem companheiro estável, se trabalharem em ambientes altamente masculinizados ou em que predomine uma cultura de grupo marcadamente machista, se se encontram em situação laboral, social e económica particularmente precária, informal ou instável ou se são migrantes.
Seja em Portugal, em Espanha, ou em qualquer outra parte do mundo, mais do que saber os números, são precisas as denúncias formais nas empresas, oficiais nas autoridades e junto da sociedade civil. Só conhecendo a identidade dos alegados predadores se poderá travar uma luta justa e com rostos dos dois lados da barricada. Denunciar e apresentar queixa pode impedir os próximos episódios de assédio.