Há um novo produto a ser apresentado ao mercado que pretende dar luta à sobrevivência do coronavírus. Trata-se de uma nova borracha destinada ao fabrico de solas, que incorpora um agente antimicrobiano capaz de anular o crescimento de qualquer vírus, assim como todo o tipo de bactérias e fungos. “Este material aplicado em solas, reduz o risco de transmitir micro-organismos patogénicos de superfícies contaminadas através do calçado”, conta à VISÃO Luisa Sousa, que tem a seu cargo a direção geral da unidade Monteiro Footwear, do Grupo Monteiro Ribas, que fabrica placas de borracha para a indústria de solas.
Este material pode ser o ideal para usar em solas de calçado destinado a grupos profissionais mais expostos a riscos sanitários, como o pessoal hospitalar, mas também a todos aqueles que trabalham na área agroalimentar (como cantinas), higiene urbana ou militar. Pode ainda ser aplicado no calçado ortopédico ou de conforto, nas suas socas ou chinelos feitos à medida. E pode vir a ser trabalhado para o chamado calçado ‘outdoors’, ou seja, aquele que usamos nas nossas caminhadas ou corridas, que percorrem todo o tipo de terrenos. Mas, melhor do que tudo isso, é que, sendo vendido em placas, pode ser disponibilizado aos sapateiros de bairro, o que permitirá que pode um dia pedir este produto para substituir as suas meias-solas habituais quando recupera calçado já usado. “E não ficará muito mais caro”, garante Luisa Sousa.
As propriedades desta nova borracha tiveram já a certificação necessária (ISO 21702:2019) perante os padrões europeus. De acordo com o relatório laboratorial, as amostras foram testadas com o alfacoronavírus, “a partícula viral pertencente à família que representa um bom modelo de vírus”, tendo concluído que se verifica “a redução de 99% de partículas virais”. De acordo com Luisa Sousa, “mesmo com o desgaste, a borracha não perde esta capacidade, pois o agente microbiano está embebido na matriz do material, não é superficial”. Assegura ainda que se trata de um agente não tóxico “amplamente testado, sendo usado até para utensílios na indústria alimentar”.
Adaptar o produto à fileira industrial
“A ideia foi obviamente despoletada pela pandemia e inspirada por algumas aplicações já conhecidas da área têxtil e dos plásticos”, conta a diretora geral. “Mas não se conhece qualquer aplicação desta natureza em elastómeros, mais especificamente em placas de borracha para calçado”, sublinha. O desenvolvimento do produto iniciou-se internamente, mas contou com a ajuda do PIEP , o polo de inovação e de engenharia de polímeros da Universidade do Minho.
Decorrido menos de um mês após a apresentação ao mercado, “surgiram já vários pedidos de informação e de amostras”. Como as placas se destinam aos fabricantes de solas, nesta fase “o maior interesse tem sido demonstrado pelo mercado de reparação de calçado internacional, nomeadamente italiano e francês”, avança Luisa Sousa. Ou seja, aqueles que distribuem por todos os sapateiros de bairro ou que se dedicam à reparação de calçado.
Neste momento, há ainda que avaliar como estas placas de borracha podem ser usadas pelos fabricantes de solas, com vista a uma utilização mais massiva na indústria de calçado. Atendendo à forma como hoje se fabrica um par de sapatos, algumas adaptações poderão vir a ser feitas. “A gama de momento disponível poderá não se adequar a todo o potencial de aplicação desta inovação, mas o facto de possuirmos a capacidade técnica de desenvolvimento confere-nos a flexibilidade para rapidamente reconfigurar o produto e alargar essa gama”, avisa. Daí que contem com a colaboração do CTCP (Centro Tecnológico do Calçado de Portugal), no sentido de certificar, num âmbito mais alargado, a sua aplicação a calçado de segurança. Registar a patente, também está a ser ponderada.
A diretora de unidade da Monteiro Footwear está confiante que “dentro de um ou dois meses” terão mais pedidos, até porque o mercado está sensível ao aparecimento deste tipo de produtos. “Mas, infelizmente, a conjuntura não ajuda. O calçado tem estado a sofrer muito pela redução das vendas em toda a Europa e há muita cautela na gestão de encomendas”, lamenta.
Apostas de futuro
Mas o que não pode parar é a preparação de um futuro que se adivinha diferente, mais preocupado com a saúde, mas também com a reciclagem dos produtos. Luisa Sousa nota cada vez mais tendência do consumidor para comprar boa qualidade e consertar, em vez de deitar fora e comprar novo – daí o alvo dos sapateiros – , mas também um aumento da preocupação acerca da origem dos produtos, como modo de defesa ambiental. “São apostas de futuro, que têm de ir sendo lançadas, para gerar discussão e germinarem no mercado”, explica.
É com base nisto que o seu departamento já desenvolveu mais dois tipos de materiais diferentes. Um foi apresentado em 2019, e são placas que “incorporam cascas de arroz, um material de origem vegetal que constitui um resíduo da indústria de branqueamento de arroz nacional”. Este material tem sido pedido por Portugal e Espanha, para uso em marcas de calçado vegan.
E no ano passado, apresentou placas de borracha que incorporam calçado completo triturado, demonstrando que nada se perde (mesmo os cordões) e tudo se transforma. “Reaproveita-se a matéria-prima, e isto tem suscitado interesse”, conta Luisa Sousa.
“Neste momento temos tido muitas solicitações por parte das marcas de calçado no sentido de adotar práticas de reciclagem, o que podemos facilmente demonstrar atendendo a que a maior parte dos nossos produtos incorporam mais de 30% de borracha reciclada proveniente de desperdícios internos e de desperdícios recolhidos nos nossos clientes”, assegura a diretora geral da Monteiro Footwear.