Uma pessoa contaminada com o novo coronavírus, no pico da infeção, produz quase tantas partículas virais como o número de estrelas que existem na nossa galáxia. E de cada vez que o vírus é bem-sucedido a infetar alguém, tem o potencial de mudar. No limite, o SARS-CoV-2 pode sofrer uma mutação de cada vez que entra num organismo.
Já se transformou milhares de vezes, de forma aleatória, enfraquecendo ou tornando-se mais forte. Mas nem todas essas alterações vingaram na Natureza sob a forma de variantes; aliás, poucas foram as que conquistaram a hipótese de se propagar em larga escala. “O vírus tem limitações biológicas e, quando tem muitas mutações, torna-se menos viável. Eu acho que não vamos ver muito mais variantes dominantes, como a D614G, que se espalhou pelo mundo inteiro e está presente em todas as variantes atuais”, prevê Pedro Simas, virologista do Instituto de Medicina Molecular (IMM) João Lobo Antunes, em Lisboa.
Este é um cenário. Talvez não seja o que mais passa pela cabeça dos cientistas por estes dias, à medida que o SARS-CoV-2 se multiplica e cria novas variantes (combinações únicas de várias mutações do vírus) mais contagiantes ou resistentes. Linhagens que dificultam o combate, quando a vacinação concedia um clima de esperança. Testes, rastreio de contactos, medidas sanitárias e vacinas podem não ser suficientes contra o supervírus em luta pela sobrevivência ou, pelo menos, 100% eficazes. Eis o próximo desafio da ciência que se faz em tempo real: as estirpes da Covid-19.
“As variantes recentes constituem, com certeza, uma preocupação maior para as medidas que temos em prática, nomeadamente a vacinação; são uma dificuldade no combate à pandemia”, confirma Vítor Borges, investigador na Unidade Bioinformática do Departamento de Doenças Infeciosas, do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA), em Lisboa, e um dos responsáveis pelo estudo da diversidade genética do novo coronavírus, em Portugal. Refere-se à variante que surgiu no Reino Unido, que tem uma capacidade de transmissão até 20 vezes superior à normal; às variantes da África do Sul e do Brasil, que, além de mais contagiosas, podem pôr em causa a imunidade ao vírus; e à mutação que partilha características com uma variante que apareceu na Califórnia, Estados Unidos, e que está a crescer em Portugal de forma inesperada (ver caixa As mutações que preocupam).
Todas têm em comum alterações na proteína Spike, que se localiza na superfície do vírus e que corresponde aos picos que vemos nos desenhos do SARS-CoV-2. A Spike tem um papel fundamental no processo de infeção – é ela que se liga ao recetor na célula humana, assumindo preponderância na carga viral que uma pessoa recebe (ver caixa Proteína Spike, a chave para o vírus chegar às nossas células). Segundo Ricardo Leite, o coordenador da Unidade de Genómica do Instituto Gulbenkian de Ciência, parceiro direto do INSA no estudo das variantes do vírus em Portugal, “as mutações recentes são passíveis de aumentar a afinidade da proteína Spike às células do hospedeiro” – o que “pode, em alguns casos, diminuir a eficácia de determinada vacina para determinada estirpe”, comprometendo “até certo nível, a resposta imunitária”.
Planos de vacinação furados?
O vírus evolui mais depressa do que a ciência, que não teve tempo de se prevenir contra todas as eventualidades. Os países ainda agora estão a sofrer com o atraso na produção das vacinas e já há especialistas, um pouco por todo o mundo, a alertar para a possibilidade de as doses hoje administradas de pouco servirem amanhã. Isto, porém, não é válido para todos os casos, uma vez que nem todas as estirpes e nem todos os tipos de vacinas têm características iguais.
“Na altura em que as vacinas estavam a ser desenvolvidas, houve uma certa tendência, creio eu, para subvalorizar a capacidade de mutação do vírus. Isto está relacionado com uma necessidade que nós temos de dar mais importância às boas notícias. Era preciso acreditar que vinha uma vacina resolver isto tudo”, diz Miguel Castanho, responsável pelo Laboratório de Bioquímica de Desenvolvimento de Fármacos e Alvos Terapêuticos do IMM.
Para o biólogo, as mutações na proteína Spike não devem ser desvalorizadas de modo algum, e recorda que “por mais ínfima que seja a alteração”, esta pode ter impacto no sistema imunitário. “O que importa não é a composição, é a estrutura”, acrescenta, e exemplifica: “Um carro tem quatro rodas. Se fizermos um pequeno furinho numa dessas rodas, em termos de composição, o carro está 99% igual. Mas eu não posso dizer que, como a composição do carro é praticamente a mesma, o carro vai andar da mesma forma. Vai afetar a sua funcionalidade, tal como pequenos detalhes na alteração da proteína Spike podem levar a perdas de funcionalidade que comprometem tudo o que estamos a fazer.”
Miguel Castanho defende que “os novos lotes de vacinas já deviam estar a ser adaptados às novas variantes”, sob pena de que “quando se estiver a terminar o plano de vacinação com estas vacinas, já terem surgido variantes que obriguem quase a começar um plano de vacinação novo”. A ideia do também professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa não é parar de vacinar com as doses disponíveis, pois estas serão sempre úteis, e Miguel Castanho reconhece que “não precisamos de ser dramáticos, porque nem todas as pessoas vão perder a imunidade”. A ideia é renovar as doses em atraso, o que, do ponto de vista científico, “nem é muito difícil”: “Muda-se a molécula do RNA [ácido ribonucleico] para corresponder às novas variantes. Isto é, o vírus mudou e o RNA muda com ele. Essa nova vacina também não tem de voltar à estaca zero e passar por todos os testes clínicos por que já passou.”
A alteração das vacinas não necessitaria sequer de ser feita para todas as variantes, uma vez que as linhagens de que se falou atrás – embora tenham surgido em contextos diferentes – partilham as principais mutações. O projeto já está a ser colocado em prática por algumas farmacêuticas e outras, como a Pfizer ou a Moderna, manifestaram disponibilidade para vir a fazer o mesmo, caso se revele necessário.
A vacina da AstraZeneca – uma das farmacêuticas com que a Comissão Europeia estabeleceu um contrato de prioridade e que já está a fornecer vacinas a Portugal – encontra-se no grupo de vacinas que se pensa não protegerem totalmente contra as variantes da África do Sul e do Brasil, ambas com uma transmissão discreta no nosso País. No entanto, a empresa anunciou que está a trabalhar numa nova versão da sua vacina, pensada precisamente para agir contra estas variantes, e que esta deverá estar concluída até ao outono. Isto, depois de ter havido países que optaram por fazer uma pausa no plano de vacinação, como a Índia, que, na semana em que se preparava para iniciar a administração de doses da AstraZeneca, interrompeu a operação por a variante da África do Sul estar disseminada no país.
As outras duas vacinas administradas em Portugal pertencem à Pfizer e à Moderna e não há estudos robustos que indiquem que estas não sejam adequadas para as variantes em circulação. Isso torna a maioria dos especialistas ouvidos pela VISÃO mais otimistas do que os citados nos jornais internacionais sobre esta matéria.
Na mira dos laboratórios
O virologista Pedro Simas não descarta que “temos de estar muito atentos às variantes que aparecem e que escapam às vacinas”, mas, ao mesmo tempo, é perentório em afirmar que “até agora isso não aconteceu” e que as variantes têm ainda um peso relativo no País. “A variante inglesa não foi a responsável pela terceira vaga em Portugal”, ao contrário do que tem sido dito, inclusivamente, pelo primeiro-ministro, António Costa, que justificou, em janeiro, o descontrolo da pandemia com esta variante e que recorreu ao mesmo argumento como uma das justificações para prolongar o confinamento geral.
“Acho também que a variante N501Y [associada a um aumento da transmissibilidade encontrada, por exemplo, na variante britânica] não deverá assumir uma expansão mundial, o que nos dá alguma tranquilidade na gestão das vacinas. Mesmo que uma vacina seja ineficaz numa determinada região, pode ser usada noutra”, continua o especialista.
Por sua vez, Maria João Amorim, virologista e líder do grupo de investigação em Biologia Celular da Infeção Viral no Instituto Gulbenkian de Ciência, confessa que, até agora, tem preferido “ser cautelosa” com as novas variantes do vírus, “porque é preciso perceber bem o impacto delas”. “Mas temos de ter sempre boas formas de perceber quando é que o vírus poderá escapar. É importante termos também uma série de vacinas prontas e testadas em laboratório para as novas mutações, tal como já fazemos com a gripe. Se tivermos as plataformas prontas, quando houver necessidade vai ser mais fácil”, sublinha a investigadora.
Compreender para prevenir a disseminação da infeção – é isto a que se propõem muitos dos investigadores portugueses que, desde março do ano passado, puseram de lado outros projetos para se dedicarem a pedir respostas ao vírus que não nos sai da cabeça. No Instituto Gulbenkian de Ciência, Maria João Amorim e a sua equipa estão a implementar métodos de deteção de SARS-CoV-2 através da saliva, além de desenvolverem uma investigação sobre como as diferentes variantes do vírus afetam a deteção de anticorpos.
No grupo está também Ricardo Leite, mais dedicado à sequenciação do vírus, um trabalho em colaboração com o INSA, que até à data analisou 3 261 sequências do genoma do novo coronavírus. Os investigadores obtêm amostras de SARS-CoV-2 a partir de parcerias que estabeleceram com 71 laboratórios de hospitais e de instituições em todo o País para monitorizarem a evolução do vírus e as suas mutações em Portugal. Essa informação é, depois, disponibilizada pelo INSA e enviada às autoridades de saúde internacionais. Os dados servem também para antecipar cenários e ajustar medidas sanitárias em Portugal.
A nível europeu, a semana passada trouxe uma novidade no que diz respeito à monitorização das novas variantes. A Comissão Europeia criou uma Autoridade Europeia de Preparação e Resposta a Emergências de Saúde (HERA, na sigla em inglês) para “antecipar ameaças e identificar respostas”, nas palavras da presidente, Ursula von der Leyen. À VISÃO, Stefan De Keersmaecker, porta-voz da Comissão Europeia para a saúde pública, explica que ainda não é o momento de ajustar os planos de vacinação, uma vez que, “atualmente, não existem provas de que as vacinas da BioNTech/Pfizer e da Moderna não sejam eficazes contra as variantes do Reino Unido e da África do Sul”; a função da HERA será, então, “recolher e analisar” informação sobre o assunto e, se for caso disso, se procederá “a um ajuste na produção de vacinas por causa das variantes do vírus”.
O poder da imunidade celular
Colocando-se a hipótese de as vacinas perderem a eficácia – algo em que, para o imunologista Luís Graça, é difícil acreditar –, há ainda uma segunda linha de células que podem evitar que a imunidade de grupo seja comprometida. “Um dos tratamentos que têm sido administrados contra a Covid são os anticorpos monoclonais, feitos em laboratório, todos iguais, que se dirigem a uma porção da proteína Spike para evitar que o vírus entre nas nossas células. Quando há variantes, está demonstrado que existe uma probabilidade relativamente alta de os monoclonais perderem a eficácia. No entanto, e por isto é que muitos estudos continuam a mostrar a eficácia das vacinas, há uma produção de anticorpos mais diversa do que esses anticorpos monoclonais”, explica o responsável pelo Laboratório de Imunologia Celular do IMM.
O papel das células T – que concedem a chamada imunidade celular – não deve ser retirado desta equação. Mesmo que a sua ação possa ser comprometida, à partida, estes linfócitos evitarão o desenvolvimento de doença grave, outra característica possível das variantes. Isto apesar de, até agora, não estar provado que alguma das linhagens que circulam em Portugal se traduza em sintomas mais severos. “Apenas se transmitem com mais facilidade, o que significa que o número de pessoas infetadas é maior e os internamentos e as mortes acontecem numa maior percentagem das pessoas infetadas”, justifica Luís Graça.
O conselho do imunologista é que se aposte na vacinação, porque, “mesmo que haja variantes mais difíceis de combater, isso será mais fácil se tivermos uma grande percentagem da população vulnerável protegida”. Em Portugal, apenas 2% da população já concluiu a vacinação, uma quantidade inferior à que estava prevista no plano do Ministério da Saúde, por causa de atrasos das farmacêuticas na entrega das doses. No entanto, mesmo a um ritmo mais lento, o objetivo do novo coordenador da task-force, o vice-almirante Henrique Gouveia e Melo, é ter 70% da população vacinada entre o final de agosto e o início de setembro.
A estratégia contra o vírus
Pode ser preciso um ano para os portugueses estarem todos vacinados, isto já partindo do princípio de que os atrasos na entrega das vacinas serão corrigidos. E, durante este tempo, o vírus não facilitará, como está a provar nesta terceira vaga, que em Portugal se revelou mais infeciosa, mais mortífera e um teste de esforço ainda maior para o Serviço Nacional de Saúde, que, inclusivamente, se viu obrigado a pedir ajuda internacional à Alemanha, a França e ao Luxemburgo. Um momento de stresse numa época do ano particularmente preocupante, uma vez que o frio do inverno pode ter efeitos na transmissibilidade do vírus por as pessoas se encontrarem mais tempo em espaços fechados, pouco ventilados, facilitadores da propagação das partículas virais. O frio pode ainda contribuir para episódios de doença crítica na população mais vulnerável, aumentando o número de vítimas mortais – como aconteceu no primeiro mês do ano, quando foram registados 20 mil óbitos no País, 5 875 destes ligados à Covid-19.
Praticamente sem outra hipótese, perante o cenário dramático que chega dos hospitais portugueses, a 15 de janeiro o País entrou em confinamento geral, que o primeiro-ministro já fez saber que se prolongará pelo mês de março. Pela Europa fora, a fotografia é semelhante: um aumento do número de novos casos de Covid-19 associado às novas variantes do vírus obrigou a voltar ao fecho de fronteiras e ao confinamento, que muitos já não toleram da mesma forma como em março, abril e maio do ano passado. As regras mais restritas têm feito surgir movimentos negacionistas, que reúnem manifestantes nas capitais europeias em protesto contra as indicações para ficar em casa.
O imunologista Luís Graça lembra que, “quanto menor for a quantidade de vírus em circulação, melhor vai ser a capacidade de prevenir estas variantes” e que, por isso, este esforço, apesar da sua “dureza”, é necessário; tal como a manutenção das medidas de higiene e a vigilância constante da pandemia. Para esta última, os testes de rastreio podem ser um importante contributo. A virologista Maria João Amorim defende que a “testagem em massa por métodos simples é absolutamente essencial e, se evitarmos toda a logística associada a zaragatoas, ainda se pode tornar mais preponderante” – daí a investigação que está a desenvolver, ligada a testes de saliva, de resto, já utilizados em Portugal.
A Direção-Geral da Saúde assumiu também como necessário um reforço da capacidade de testagem, tendo, nesta segunda-feira, 15, publicado uma nova norma para alargar o rastreio a contactos de baixo risco de um infetado. Os exames biológicos para detetar o novo coronavírus vão ainda tornar-se mais frequentes em ambientes de grande pressão social, como escolas, fábricas ou obras. No fundo, isto é o que podemos contra um supervírus que continua a não dar descanso.
As mutações que preocupam
No limite, cada infetado com Covid-19 pode dar origem a uma nova estirpe do SARS-CoV-2 nas suas células. Em Portugal, circulam dezenas de variantes, mas poucas são as que resistem à seleção natural e se tornam predominantes
A promessa da vacina alimentou a esperança de que o fim da pandemia estava mais perto. Mas o vírus, indiferente à perspicácia humana, continua a lutar pela sobrevivência, criando versões novas de si próprio. O Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) tem encontrado, na sua pesquisa regular de mutações do SARS-CoV-2 no nosso país, dezenas de variantes entre as cerca de quatro mil de que há registo no mundo. A maioria não apresenta alterações significativas em relação à estirpe original, mas há exceções que, por serem mais contagiosas ou mais resilientes, necessitam de vigilância apertada. Entre elas, estão a variante britânica, a da África do Sul, a do Brasil e uma mutação em comum com a da Califórnia.
Embora o novo coronavírus tenha uma “capacidade de mutação menor do que a do vírus da gripe A ou a do VIH”, sublinha a virologista Maria João Amorim, investigadora principal no Instituto Gulbenkian de Ciência, as variantes acima referidas estão a fazer com que o SARS-CoV-2 ganhe uma maior afinidade com as nossas células e que sejam produzidas mais cópias do coronavírus, ou seja que aumente a carga viral. O receio dos efeitos das novas variantes tem sido, aliás, uma das justificações usadas pelo primeiro-ministro, António Costa, para manter Portugal com um nível de restrições elevadas, sob pena de o Serviço Nacional de Saúde não aguentar a pressão dos novos casos, enquanto o plano de vacinação está atrasado.
Mutação da variante da Califórnia
Representação em Portugal: 6,8% dos contágios
Presente em 15 países
Característica: reduz anticorpos
Índice de contágio: não há ainda evidência científica de que seja mais contagiosa
A rápida progressão da doença na Costa Oeste dos Estados Unidos da América levou os cientistas a procurarem, no final do ano passado, respostas no vírus. O resultado da investigação foi a descoberta de uma nova variante – a californiana – que se distingue das restantes por causa da mutação L452R (detetada, pela primeira vez, no verão, na Dinamarca). O grande motivo de preocupação reside no facto de esta variante poder ter efeitos bloqueadores de anticorpos, reduzindo a eficácia de algumas vacinas.
A CAL.20C – como também é conhecida – está presente em 15 países. Além dos Estados Unidos da América, conseguiu expandir-se com eficácia no Japão, no México, na Dinamarca e no Canadá. Em Portugal, embora não existam casos diretamente ligados a esta variante, estão a aparecer pessoas infetadas com uma variante que partilha a mutação L452R com a californiana.
A disseminação desta mutação na população portuguesa foi inesperada, confessou o epidemiologista João Paulo Gomes, no Infarmed. Uma vez que, em novembro, tinham sido encontrados apenas “dois ou três casos” associados à mesma (0,7% do total) e agora esta variante já representa 6,8% dos novos casos, espalhados por nove distritos de Portugal Continental e pelos Açores. Não se conhece o histórico desta variante no País; foi detetada no âmbito da monitorização apertada à variante britânica, mas o INSA já prometeu mantê-la debaixo de olho.
Variante britânica
Representação em Portugal: 43% dos contágios
Presente em 63 países
Característica: mais transmissível
Índice de contágio: pode ser 40% a 70% mais transmissível e fazer aumentar o RT [quantas pessoas um infetado contagia] entre 0,22 e 0,4
Foi encontrada em setembro do ano passado, no Reino Unido, e rapidamente se disseminou por todo o país. Inclui 23 alterações, sendo a mais preocupante uma mutação na proteína Spike com o nome N501Y, ligada a uma maior transmissibilidade do vírus. Esta variante chega a ser 20 vezes mais contagiosa do que a normal. Já se espalhou, pelo menos, por 63 países, tendo conquistado mais terreno na Dinamarca, em França, nos Estados Unidos da América e na Bélgica.
Em Portugal, é a variante mais falada, “está amplamente dispersa por todo o território nacional”, de acordo com o INSA, e o Governo tem-na culpabilizado pela terceira vaga da pandemia. Atualmente, representa 43% dos novos casos, segundo o primeiro-ministro, que atualizou as informações disponíveis no boletim do INSA, as quais apontavam para uma incidência de 16% dos infetados na segunda quinzena de janeiro. Apesar do aumento significativo, estes resultados continuam abaixo das previsões dos epidemiologistas para a primeira quinzena de fevereiro, que indicavam que 65% dos casos de Covid-19 teriam origem nesta mutação. “Desviámo-nos completamente da curva projetada na altura [última reunião do Infarmed] e isso são ótimas notícias”, disse João Paulo Gomes, epidemiologista do INSA, na última sessão no auditório da autoridade do medicamento (a 9 de fevereiro).
A variante inglesa tem sido descrita por diferentes cientistas como mais mortal, mas este facto pode estar simplesmente ligado a um crescimento do número de infetados, o que inclui a população de risco, que contrai a doença mais grave. Até agora não há também evidências de que esta variante reduza os efeitos das vacinas, pelo menos das utilizadas em Portugal (das farmacêuticas Pfizer e Moderna). Já quanto aos testes de rastreio, há uma falha na deteção deste gene em alguns dos testes PCR.
Variante da África do Sul
Representação em Portugal: 4 casos
Presente em 37 países
Características: mais transmissível; reduz anticorpos
Índice de contágio: pode ser 50% a 56% mais transmissível e fazer aumentar o RT entre 0,28 e 0,32
Esta variante partilha com a do Reino Unido a mutação N501Y na proteína Spike, com impacto na transmissibilidade, mas representa um problema acrescido: tem outra mutação – a E484K – que pode ter efeitos bloqueadores de anticorpos. Ou seja: aumenta a probabilidade de uma reinfeção e pode constituir um problema na eficácia de algumas vacinas, como a da AstraZeneca. A variante da África do Sul – que se espalhou por 37 países – quase não tem vestígios em Portugal, por enquanto, havendo notícia apenas de quatro infetados.
Variante do Brasil (ou de Manaus)
Representação em Portugal: 2 casos sujeitos a confirmação
Presente em 24 países
Características: mais transmissível; reduz anticorpos
Índice de contágio: pode ser 56% mais transmissível e fazer aumentar o RT em 0,32
A variante de Manaus (uma das muitas que existem no Brasil) foi detetada, pela primeira vez, no Japão, na sequência da viagem de uma família ao estado do Amazonas. Os testes de rastreio realizados à chegada ao aeroporto internacional de Tóquio identificaram a variante, que tem um comportamento muito semelhante à da África do Sul. É mais transmissível (tem a mutação N501Y) e está associada a casos de reinfeção (também tem a mutação E484K).
Surgiu no final do ano passado, mas já é responsável por uma nova vaga do vírus na região de Manaus. Está presente em 24 países, lista à qual Portugal se deverá juntar brevemente. Na semana passada, o laboratório Unilabs avançava que encontrou dois casos desta variante na região da Grande Lisboa, os quais ainda carecem de confirmação do INSA, mas a suspeita “tem bastante robustez”, afirmou o epidemiologista João Paulo Gomes. Em Portugal, circula ainda uma variante “familiar” à brasileira, com a mutação E484K em comum, responsável por cinco casos.
“As variantes não deverão comprometer a imunidade de grupo”
Henrique Veiga-Fernandes, imunologista, investigador principal e codiretor da Champalimaud Research, explica que variantes do SARS-CoV-2 deverão afetar sobretudo pessoas com doença ligeira
O primeiro-ministro usou, no final de janeiro, o aparecimento da variante inglesa para justificar erros no controlo da pandemia. Atribui-lhe esta importância?
Compreendo, do ponto de vista político, porque fez isso, mas estar a culpabilizar estas variantes pelo descontrolo da pandemia parece-me completamente despropositado e não corresponde à realidade. Estas variantes são, de facto, mais transmissíveis, mas o aumento dos casos em Portugal começa depois do verão, quando a dita variante inglesa tinha uma implantação em território português extraordinariamente baixa. E, mais recentemente, se olharmos para o número de casos por milhão de habitantes, Portugal está pior do que Inglaterra, quando Inglaterra foi a primeira a ter esta variante como dominante em todo o país.
Qual é então a principal razão para o descontrolo e o que tem de ser feito para o corrigir?
A principal razão é a falha no rastreio de contactos. Antes do Natal, estávamos num falso planalto de novos casos e conhecíamos apenas 13% da sua origem. Não tínhamos a mínima noção de onde vinham 87% dos casos. Mesmo agora, continuamos com problemas em identificar as pessoas que estiveram em contacto com positivos. Temos de reforçar o rastreio, manter o distanciamento, testar de forma abundante e testar de forma inteligente, seguindo os positivos sempre.
E o confinamento geral deve manter-se?
O confinamento é uma metodologia quase medieval, muito eficiente, mas cria outros problemas de saúde pública e destrói a economia. É uma arma de último recurso, que, face ao que enfrentamos em Portugal, foi necessária, mas temos de começar a prevenir mais. Até porque é uma solução desgastante para a sociedade e, com o tempo, deixa de ser eficaz. Basta olhar para o que está a acontecer em vários países europeus: as pessoas na rua a manifestarem-se de forma violenta contra o confinamento.
Acredita que esse cenário venha a colocar-se em Portugal?
Espero que não. Apesar de tudo, somos um país com características diferentes. Mas já vimos diferenças entre o primeiro confinamento, quando as pessoas ficaram em casa, e o segundo, em que, na primeira semana, continuava tudo a passear tranquilamente. As pessoas perderam o medo e estão cansadas.
Quando terminar o confinamento, que impacto podem ter as variantes predominantes do vírus na imunidade de grupo?
No que diz respeito à doença moderada, que não exige internamento, estudos de vacinas que iniciaram a fase final dos testes mais tarde mostram que há efetivamente uma redução na eficiência da vacina. Mas, independentemente da variante, as vacinas parecem conferir a mesma proteção – 85% – nos casos de doença grave. Isto porque há outro tipo de imunidade, a imunidade celular, que é crítica para o não desenvolvimento de doença grave. Portanto, as variantes não deverão comprometer a imunidade de grupo, mas vão contribuir para manter este vírus em circulação na nossa população por muitos e muitos anos, sem que este seja um problema de saúde pública.