Billy Kemper esteve entre a vida e a morte depois de uma onda lhe partir a pélvis ao meio. A sua traumática experiência faz agora parte de uma mini-serie de seis episódios da World Surf League. Em entrevista à estação televisiva norte-americana, CNN, o surfista relatou todo o sucedido e como foi a jornada para a recuperação.
Natural de Maui, no Havai, prefere dizer que “nasceu no mar”, brincando que: “Estava numa prancha de surf meses antes de conseguir andar”. Cresceu, assim, rodeado pela cultura do surf. Lembra que, desde pequeno, o desporto de eleição para assistir não era o futebol nem o basket, mas sim ver os surfistas em “Jaws”, na costa norte da sua ilha. Também a convivência com grandes nomes do surf, como Laid Hamilton, a quem chama de “tio”, fizeram despertar esta paixão.
“Mãe, Pai! Um dia vou surfar em Jaws” recorda dizer. Afirmação foi recebida pelos pais entre risos e com uma certa ironia: “claro que vais”. Agora, com 30 anos, Billy é considerado um dos melhores surfistas de ondas gigantes do mundo. É o campeão do campeonato mundial de ondas gigantes de 2018, mesmo ano em que marcou presença em Portugal, onde ficou em segundo lugar no Nazaré Challenge. O seu mais recente título foi em 2020 na categoria ride of the year nos prémios de Red Bull Big Waves Awards, ao surfar precisamente em Jaws, como tanto sonhava na infância.
“As suas conquistas como surfista profissional mostram que é um dos melhores do mundo a surfar ondas gigantes” afirmou Erik Logan, CEO da World Surf League à CNN. Mas, então, como passou Billy de um dos melhores do mundo para a possíbilidade de não poder voltar a surfar, ou nem mesmo sobreviver? O acidente deu-se a fevereiro do ano passado, na costa de Marrocos, em África. “Uma tarde estava a olhar para todas as marés do mundo e vejo uma tempestade absurda a ir em direção ao Oceano Atlântico. Parecia muito maior e mais forte que a maioria das marés que se costumam ver alí”, conta Billy. Assim, o surfista contactou a equipa da World Surf League para o documentarem nessa aventura.
Viajou até Marrocos com os amigos, também surfistas, Koa Smith, Luke Davis e o videógrafo Arénui Frapwell. “Surfámos uma mão cheia de ondas pela costa, que foram provavelmente das melhores ondas que já surfámos. Foi a viagem de uma vida, até que o pior aconteceu”, conta Billy.
O pior foi a onda que lhe partiu metade da pélvis e o deixou entre a vida e a morte. “A onda sugou-me e atirou-me para uma rocha que me destruiu completamente”, relembra. Ficou insconciente, colapsou-lhe o pulmão, a pélvis ficou partida e teve de ter o joelho reconstruído. “Fiquei a hiperventilar e a tentar bloquear a dor, mas uma dor assim não se esquece. Até na ambulância senti a pior dor possível. Cada lomba, cada solavanco, parecia que o centro do meu corpo se abria e libertava mais sangue”. Billy foi salvo pelos amigos, que imediatamente saltaram para a água para o ajudar. Foi transportado num jet ski para a costa, onde o esperava uma ambulância.
Passados uns dias no hospital, teve de ser transportado de volta para os Estados Unidos para uma cirurgia de emergência. A viagem de 13 mil quilómetros não foi fácil. “Com a pélvis partida, não podemos sair da maca. Qualquer movimento, por mais pequeno, pode criar mais sangramento interno”, explica o surfista. Foi também nessa altura que começaram a aparecer as restrições nas fronteiras devido à Covid-19, dificultando ainda mais a travessia de Billy. Foi graças à sua família, amigos, e patrocinadores que conseguiu angariar fundos para voltar para os Estados Unidos, onde tinha melhores serviços de saúde e onde foi imediatamente operado de emergência.
A recuperação não foi fácil. Foi viver com Laid Hamilton, focando-se nos treinos e na fisioterapia, para conseguir melhorar. “Foi mais difícil do que algo que alguma vez imaginei passar. Precisei de alguns meses para me preparar e para reparar a minha mente”, admitiu. Hoje já está de volta às pranchas de surf e fala mesmo num “renascimento”. “É como voltar a surfar a primeira onda da minha vida, trouxe sentimentos de voltar a ser criança. É por isto que eu sacrifico tanto, é por isto que trabalho arduamente, esta é a razão que pertenço aqui [no surf]. Surfar é quem sou. Sem surf, não sou o Billy”, conclui.