Tem tudo para ser uma contradição: ceder à tecnologia para, online e em rede, ir à procura do isolamento. No ano passado, com o início da pandemia, o Zoom e o Teams, aplicações que permitem fazer videoconferências, passaram a integrar a vida não só de quem entrou em teletrabalho ou teve aulas à distância como também de quem se viu impossibilitado de largar tudo e ir fazer um retiro para recarregar baterias.
Se, anteriormente, os retiros espirituais aconteciam em lugares recônditos no meio da Natureza e até de forma intensiva, durante vários dias seguidos e habitualmente sem telemóveis por perto, 2020 marca uma mudança de paradigma. Assistir a uma aula de ioga em direto de um castelo em França, ter uma “consulta” ayurvédica num spa nos Himalaias, seguir uma dieta à base de plantas a partir de Espanha ou participar num retiro de escrita no Reino Unido são exemplos de como toda uma comunidade zen teve de se adaptar.
Houve mesmo quem mudasse de casa ou chegasse a instalar–se num hotel para alcançar o isolamento e a concentração necessários
Com formação em fisioterapia e psicologia, Ana Monteiro, 45 anos, dá aulas de ioga e de meditação. No espaço Azeitão Zen, em Setúbal, costumava organizar retiros em que, logo à partida, os telemóveis eram desligados e deixados à porta. Nos dias seguintes, as horas eram preenchidas com aulas de meditação e de ioga, momentos simplesmente de silêncio, escrita, tudo para trabalhar a concentração – de preferência, sem ruído ou qualquer outra distração. “As pessoas sabiam que iam isolar-se e que até a alimentação iria ser seguida à risca, baseada em práticas mais saudáveis, como a dieta vegetariana ou a nutrição funcional”, frisa.
O confinamento fez com que os participantes passassem a ser acompanhados à distância pelo instrutor, com um momento de encontro diário online, que pode incluir “reflexão e atividades que ajudam as pessoas a distanciarem-se dos aspetos negativos que as rodeiam”. Virtualmente, são partilhadas leituras, e-books e ficheiros de áudio com aulas de meditação ou ioga com quem está do outro lado do ecrã.
Também João Palma, instrutor de mindfulness no BudaDharma, estúdio de meditação e ioga em Lisboa, transformou o retiro de silêncio – que estava organizado para cerca de 20 pessoas passarem cinco dias numa herdade no Alentejo – numa experiência online, em que uma dezena quis participar em novembro passado.
Houve mesmo quem mudasse de casa ou chegasse a instalar-se num hotel para alcançar o isolamento e a concentração necessários. O programa diário estipulava três a quatro encontros virtuais, em que todos, à mesma hora, se ligam à internet, fosse às oito da manhã para 45 minutos de meditação, às onze para ouvir uma palestra sobre mindfulness ou às três da tarde para mais meditação e espaço de partilha, um momento interativo. “Dou-lhes ferramentas para lidarem com as suas questões. Convido-os a fazerem uma pausa nas suas agendas tão preenchidas, nas responsabilidades, tarefas e preocupações, para poderem parar, sentir, olhar para o mundo interno e perceberem que emoções sentem e quais os padrões de pensamento, por exemplo”, explica o instrutor.
O poder do grupo
São cada vez mais as pessoas que procuram estes retiros, seja por motivos de saúde mental, para fazer face a sintomas ligeiros de ansiedade e stresse, para conseguir cumprir uma dieta alimentar ou pelo desenvolvimento espiritual. “Na falta de distrações externas, como o telemóvel, as redes sociais, o consumo e as viagens, procura-se esta vertente espiritual dos retiros. Quando as pessoas são obrigadas a parar, surgem então os conflitos internos e não conseguem lidar com a frustração”, refere Ana Monteiro.
Os benefícios da quietude e do silêncio no cérebro e no sistema cardiovascular são confirmados pelo neuropsicólogo e investigador André M. Carvalho nos pacientes que acompanha no Hospital Lusíadas, em Lisboa. “O silêncio pode estar associado a um estado de alerta reduzido, ativado pela amígdala, que resulta em menores níveis de ansiedade. Em contrapartida, em casos graves de depressão com stresse crónico, há uma redução do volume do hipocampo, que pertence ao sistema límbico [instintos]”, descreve o especialista.
Para Ana Monteiro, os proveitos de participar nos retiros presenciais ou online “são iguais”. “Mas toda a gente aponta a falta do abraço, do olhar olhos nos olhos, de dar a mão. A prevalência das doenças mentais também é agravada pela falta de afeto”, distingue.
Praticar meditação não é para todos – que o diga Filipe Martins, 28 anos, assistente administrativo e designer gráfico da Associação Upaya, em Lisboa, onde também é meditador e organiza retiros. “Meditar é muito difícil. A última coisa que, às vezes, apetece é parar e não pensar em nada. Há sempre preocupações. Sozinhos, é muito difícil criar a estrutura de apoio à meditação. Juntos, temos sempre os outros a puxarem por nós”, explica.
Quanto às vantagens de fazer um retiro, Filipe tem duas maneiras de ver a questão: “Não se ganha muito, perde-se mais. Perde-se raiva, egoísmo, ódio e até ilusões sobre nós próprios e o mundo. Vendo também pela positiva, ganha-se maior sabedoria quanto à nossa mente e o nosso corpo, maior aceitação do que acontece externamente, maior compaixão e alegria, gratidão e equanimidade”, conclui. Mesmo que seja com um ecrã pelo meio.
Concentração máxima
Meditação, ioga, mindfulness… Tome nota destes retiros
Ayurveda nos Himalaias
Viagem à Índia sem pegada de carbono para uma sessão ayurvédica em casa. No spa Ananda, o programa Starter custa €160.
anandaspa.com
Ioga num castelo francês
Até 28 de janeiro, está disponível uma gravação para entrar e sair deste retiro de ioga e meditação (€150) ao vivo, via Zoom, do estúdio Yobaba Lounge, num castelo no Sul de França.
yobabalounge.com
Meditação nas ilhas Canárias
Em direto de Fuerteventura, retiros virtuais (€120) de ioga e pilates incluem cinco sessões ao vivo para ajudar a relaxar, menu de refeições vegetarianas, dicas para definir os objetivos e acesso vitalício aos vídeos de ioga, meditação e pilates.
azulfit.com
Escrita no Reino Unido
Minirretiros às segundas-feiras e retiros de dia inteiro aos sábados para quem quer dedicar tempo e energia à escrita, reunindo um grupo no Facebook.
urbanwritersretreat.co.uk