A Estação Espacial Internacional está em órbita da Terra há quase 23 anos, desde 1998, a uma distância que varia entre 320 e 480 quilómetros do nível do mar. A sua estrutura, com mais de 450 mil quilos, alberga astronautas que estão encarregues da sua manutenção. Uma vez que a Estação orbita à volta da terra a uma velocidade superior a 27 mil quilómetros por hora, muitas vezes mais rápida que a rotação da própria Terra, o seu dia, de sol a sol, dura apenas 90 minutos.
Foi em 2015 que os três astronautas que estavam a borda da Estação – o americano Scott Kelly e os russos Gennady Padalka e Mikhail Kornienko – sofreram um dos maiores sustos das suas vidas, conta a New Yorker, quando foram alertados que um detrito espacial – o “objeto número 36912” – vinha na sua direção. Tratava-se de uma ameaça fatal: caso este detrito chocasse com a Estação, o impacto seria de tal maneira agressivo que a vida dos três astronautas estava condenada. Após vários dias de tensão enquanto esperavam pela chegada deste detrito, puderam finalmente respirar de alívio quando o objeto 36912 passou a uns meros 2 quilómetros de si – sobreviveram por pouco e prosseguiram a sua missão.
Esta é apenas uma de várias histórias de potenciais acidentes com detritos espaciais. Até 1957, o espaço permanecia imaculado, sem qualquer tipo de interferência humana. Esse ano marcou o início do lançamento de naves, satélites e outras estruturas – desde o Sputnik 1, da União Soviética, ao Vanguard 1, lançado pela NASA no ano seguinte. Assim, foi criado o NORAD, o catálogo de satélites, que regista todos os objetos colocados em órbita – estes dois foram os primeiros de muitos.
Desde 1957, os humanos já colocaram mais de 10 mil satélites no espaço. Hoje, apenas 2700 destes estão em funcionamento. Apesar de estes satélites valerem milhares de milhões de euros, é mais barato abandoná-los no espaço do que trazê-los de volta para a Terra. Alguns, como o Sputnik, acabaram por arder. Outros, como o Vanguard, ficarão em órbita durante décadas ou séculos, a girar à volta da Terra a uma velocidade estonteante, constituindo um perigo para astronautas, satélites e estruturas como a Estação Espacial Internacional.
O problema dos detritos espaciais
Os detritos espaciais não se limitam a estes milhares de satélites abandonados no espaço, mas também podem ser objetos que os próprios astronautas deixaram cair em órbita nas suas missões – desde câmaras, espátulas, luvas, espelhos e outros utensílios. A força aérea norte-americana estima que há cerca de 26 mil detritos espaciais com mais de dez centímetros a orbitar à volta da terra. Outras estimativas indicam que há mais de 100 mil detritos com menos de um milímetro, e outros um bilião de detritos com um tamanho igual ou inferior a um mícron. Há um ponto em comum entre todos estes detritos – desde as peças de satélites a outros objetos mais triviais, maiores ou menores: são extremamente difíceis de retirar do espaço, sendo um processo raramente realizado.
Esta poluição do espaço é um problema cada vez mais urgente nos dias de hoje. A primeira pessoa a alertar para este problema foi Don Kessler, da NASA, nos anos 60. O astrofísico concluiu que, caso este problema fosse ignorado, todos os satélites que orbitam à volta da Terra podiam vir a ser destruídos – o que pode ser fatal para um mundo dependente destes objetos para os seus sistemas de comunicação, que ficariam totalmente inutilizados. Nesta altura de pandemia em que vivemos, os danos de um corte de comunicações à escala mundial são inimagináveis.
Apesar de o universo ser infinito, Kessler avisou que a área mais perigosa para este problema é mesmo a que está mais próxima de nós: a órbita terrestre baixa, 2 mil quilómetros acima do nível do mar. A atmosfera desta órbita é suficientemente grossa para provocar uma perda de energia de objetos à sua volta, de forma a que voltem à Terra rapidamente – trata-se de uma espécie de processo de autolimpeza. Foi precisamente por razões de segurança que a Estação Espacial Internacional foi colocada nesta órbita. No entanto, todos estes detritos espaciais constituem um perigo para a órbita terrestre baixa, uma vez que a congestionam a um nível cada vez mais acelerado.
Assim, com o passar dos anos, torna-se cada vez mais urgente impedir esta acumulação, que já causou acidentes: em 2009, dois satélites colidiram, pela primeira vez, a apenas 780 quilómetros acima da Sibéria, na costa da Rússia. Esta colisão resultou em mais de 6 mil pequenos detritos espaciais, adicionados ao catálogo NORAD. Contudo, coloca-se um problema: ninguém sabe exatamente como retirar estes detritos de circulação. Recentemente, algumas empresas aeroespaciais começaram a dar o seu contributo, passadas décadas de avisos que caíram constantemente no vazio.
Missão: voltar do espaço
O número de detritos espaciais que têm de ser retirados do espaço por ano não é consensual. Em declarações à revista The Economist, Yamamoto Toru, da agência espacial japonesa JAXA, estima que bastará retirar entre três a sete grandes detritos por ano. Por sua vez, Ted Muelhaupt, da Corporação Americana Aeroespacial, aponta para os doze. Mas, idependentemente dos números exatos, o grande problema mantém-se: como retirar estes detritos do espaço?
De forma a tentar dar resposta a este problema, a Astroscale, uma empresa sediada em Tóquio, propôs lançar uma missão denominada ELSA-d. Esta missão consistiria no lançamento de uma nave de 175 quilos, a par de um casulo de 17 quilos com uma placa de encaixe de ferro. Esta placa funcionaria como um alvo fictício magnético, que recolheria os detritos e os levava de volta para a nave, retirando-os do espaço. No entanto, esta não é uma tarefa simples: os detritos viajam a uma alta velocidade – caso haja um erro de cálculo neste processo, a nave pode ficar reduzida a pedaços depois de um choque.
Perante estes esforços da Astroscale, a JAXA deixou um aviso: antes de se lançar uma nave para recolher os detritos, é necessário organizar missões de reconhecimento para estudar a forma ideal de realizar a missão. As opções de meios que estão em cima da mesa são variadas: desde arpões, como foi o caso do já utilizado pela construtora europeia Airbus, em 2019, ou uma rede, também experimentada pela Airbus em 2018. Caso estes meios funcionem, coloca-se outro problema: a reentrada da nave e dos detritos na superfície da Terra, que não deve ser realizada num local aleatório do Planeta – sob pena de poder causar danos humanos.
Os próximos meses e anos prometem dar respostas a estas várias questões, através de testes realizados por várias empresas aeroespaciais. No entanto, falta responder a uma última pergunta: quem vai pagar estes esforços, que requerem milhares de milhões de euros? A resposta mais óbvia indica que seriam os governos. No entanto, por enquanto, são poucos os executivos que deram uma resposta expressiva ao problema – tratando-se de um problema de todos, acaba por não ser responsabilidade de ninguém.