A pandemia não liderou uma nova revolução sexual, mas obrigou os portugueses a sair da zona de conforto. Num ano tão atípico em todos os aspetos, o sexo não foi exceção. Segundo a Control, a venda de preservativos diminuiu 5% durante o confinamento, já a procura de sex toys aumentou em mais de 20%. E já que estavam fechados em casa, os portugueses deram mais conversa em aplicações de encontros, como o Tinder, e recorreram massivamente à pornografia, afirmam os dados do Pornhub. Foi nesta demanda por conteúdo sexual no digital que Diana, Lush e André olharam para os seus canais com outros olhos. São jovens, vendem material sexual próprio, como vídeos e fotos, e explicam o papel da pandemia nas suas carreiras digitais.
Levantar, vestir, ligar a câmara do computador e despir. Esta é a rotina de Diana (nome fictício), que preferiu esconder a identidade porque “a maioria da família não sabe” qual é o seu trabalho. É no OnlyFans, uma rede social de origem britânica, que a jovem de 21 anos publica o material para os subscritores. “Em algumas fotos e vídeos, existem nuances de erótico, mas, na maioria, o meu conteúdo é pornográfico”, explica.
Diana não esperou por uma pandemia para se tornar criadora de conteúdo, mas houve quem o fizesse: neste mês de dezembro, são já mais de um milhão aqueles que publicam vídeos e fotos na plataforma. Os assinantes, à procura de respostas aos seus impulsos e fetiches, também não param de aderir a esta “Netflix” do conteúdo pornográfico.
“Escolhi o OnlyFans porque, na altura em que comecei, o site estava a ganhar terreno. Seguia imensas outras raparigas que o faziam e isso levou-me a ganhar cada vez mais coragem para me iniciar”, continua a jovem. Começou e por lá ficou, “sem vergonha de mostrar o corpo” e com a certeza de que ganha “bem” para fazer disto o seu emprego a tempo inteiro. A trabalhar a partir de casa, consegue enumerar um conjunto de vantagens, como o “menor perigo do contacto presencial e a maior facilidade de publicitar e de fazer marketing”. A verdade é que a pandemia não veio afetar-lhe os planos de forma radical, ao contrário de outros criadores, que tiveram de se adaptar aos tempos para contrariar o contacto físico.
Lush, alter-ego de um jovem de 21 anos, publica “conteúdo obviamente pornográfico” na mesma plataforma. Não está no OnlyFans a tempo inteiro, mas sabe “que conseguia fazer disto um full-time job se não fosse preciso tanto tempo e investimento”. Iniciou-se no palco online ainda em 2019 e encontra-se com outros homens para filmar conteúdo.
“Inicialmente era muito difícil encontrar gente que quisesse gravar algo sabendo que seria publicado depois”, confessa. Ora aceitavam e depois desmarcavam, ora gravavam e diziam que o levavam a tribunal se tornasse o vídeo público. “Depois encontrei pessoas que alinharam em fazer vídeos e então apostei em algo com mais produção – tinha alguém a gravar, editava o vídeo, criei o meu logotipo…”.
Ao contrário de Diana, o conteúdo do jovem exigia sair de casa, uma vez que muitos dos seus posts são gravações de cruising (sexo anónimo, gratuito e consensual em espaços públicos). A pandemia e a obrigatoriedade do recolhimento domiciliário vieram alterar o negócio, mas é no bom senso que Lush deposita a origem da mudança: “Quem faz este material deveria ter consciência das coisas. Quando estamos a partilhar conteúdo de cruising, estamos a incentivar as pessoas a fazerem o mesmo num momento de pandemia e deveria ser exatamente o oposto”, desabafa.
“Não é correto eu continuar a fazer cruising tal como fazia ou a envolver-me com pessoas do Grindr (aplicação de encontros). Acho que não seria correto fazer isso nesta altura sensível”, continua. A mudança, no entanto, não é sinónimo de queda, mas sim de renascimento. “Estou a focar-me mais noutro tipo de conteúdo”, começa por explicar. “Sabes aqueles vibradores em que dá para interagir através da webcam? Estou a pensar investir nisso, fazer uns shows de webcam, guardar o vídeo e partilhar depois”.
Se existe quem tenha mantido o mesmo modelo de negócio e quem o tenha alterado, existe também quem tenha chegado ao OnlyFans em plena pandemia. Segundo o Influencer Marketing Hub, o número de pessoas a publicar material neste site “quase que duplicou” em março de 2020, consequência do confinamento a que o mundo assistiu. Alguns aproveitaram o tempo que passavam a mais em casa para fazer algum dinheiro extra e outros procuraram uma nova fonte de rendimento depois de perderem o emprego ou de verem o salário baixar.
André, de 24 anos, deu uma segunda oportunidade à rede em abril, depois de a ter abandonado em 2019. Na primeira vez, entrou acompanhado por outra pessoa e foi a curiosidade pela experiência que o motivou: “Gosto de experimentar um pouco de tudo e sempre achei piada à indústria”. O trajeto “correu muito bem”, mas a dupla acabou por se separar e uma carreira a solo não era opção, “porque sabia que o dinheiro não ia ser o mesmo”.
O vírus fez o mundo dar muitas voltas e o confinamento veio carregado de “aborrecimento”. O jovem acabou por reativar a conta no segundo trimestre do ano, mas, agora, está “numa pausa de tempo indefinido”. Diz que não é fácil afirmar-se na plataforma e acredita que os “homens portugueses não gostam de dar dinheiro quando sabem que podem ir para o Grindr”. A pandemia fê-lo perceber a necessidade de fazer as coisas com calma e profissionalismo e, por isso, tem planos para voltar em breve “com uma nova imagem e novas ideias”. Nesta nova fase, quer “fugir um bocado ao que as pessoas estão habituadas a ver”, sem revelar mais pormenores.
À medida que a presença sexual online aumenta, crescem também os dilemas da atividade. A nova tendência de venda deste tipo de conteúdo faz surgir novas desvantagens – e estes criadores já as viveram na primeira pessoa. Lush já viu parte do seu material ser publicado noutros sites gratuitos sem o seu consentimento ou conhecimento e Diana já sofreu de assédio por várias vezes. “Sentem que, ao adquirirem o nosso conteúdo, podem fazer o que quiserem com ele e que automaticamente se apagaram os direitos de autor”, diz a jovem de 21 anos.
À BBC, um porta-voz da plataforma britânica referiu que, “com o dever de ajudar na batalha contra a pirataria ilegal, o OnlyFans está firmemente na luta para proteger o conteúdo dos usuários”. Segundo a mesma fonte, mais de 75% do material relatado como roubado foi retirado de outros sites com sucesso, este ano. “A segurança dos nossos criadores é uma prioridade”, fez saber.
Há novos problemas, mas nem por isso se apagaram os antigos, como o preconceito. Diana lamenta a pouca discussão do tema e recusa o paralelo com a prostituição, afirmando que “quem faz essa associação normalmente ainda veste o preconceito em relação aos trabalhadores sexuais”. Adianta que aquilo que faz “não é prostituição, mas, assim como a prostituição, é trabalho sexual”.
“Respeitamo-nos o suficiente para pegar nas rédeas da nossa autonomia e liberdade sexual. Podemos ser quem quisermos na vida. Não damos para todos e, mesmo se fosse o caso, somos sexualmente livres”, atira. A esperança destes jovens é que 2021 seja um ano melhor para todos, incluindo para as suas carreiras, que encontraram na internet um novo palco para os seus espetáculos.