“Não está a ligar nenhuma ao que estou a dizer, só aguarda que eu acabe para falar.” Impressões subtis que sobressaltam ou desapontam pelo menos um dos interlocutores durante uma conversa comum. A arte da conversa parece estar a perder-se, ou a perder qualidade. É o que sugere o mais recente livro da jornalista americana Kate Murphy, com artigos publicados em jornais como o The Times ou The Economist, e que se popularizou por tornar acessíveis temas complexos, da saúde e ciência à tecnologia.
Em O Que Perde Quando Não Está a Ouvir (editora Planeta), o seu primeiro livro, a autora mergulha no universo da escuta, fazendo jus à célebre frase de António Saramago “Se puderes olhar, vê. Se puderes ver, repara”, em Ensaio sobre a Cegueira. A “cegueira”, ou a surdez, neste caso, pode muito bem ser a fala ininterrupta em que estamos imersos, no convívio presencial ou nas redes sociais. Ou a omnipresença do som e o ruído urbano que se instala nos open spaces, nos transportes públicos, nas praias e jardins e, até, no ambiente doméstico, onde parte do tempo livre é gasto a consumir conteúdos multimédia, com ou sem auscultadores, alheio a quem está connosco. Um cenário normal com efeitos secundários que se resultam num desconfortável sentimento de solidão, com contornos de epidemia, na sociedade mais interligada de sempre.
Porque é que ouvir não basta
Escutar vai além de ouvir simplesmente o que as pessoas dizem, prestar atenção ao modo como o fazem, bem como ao à situação em que dizem o que dizem e o efeito que produz em que escuta. Na investigação para o livro, Kate entrevistou pessoas comuns e especialistas, de várias idades, raças e estratos sociais. À pergunta “quem o escuta?”, muitos responderam não sentir que alguém que os escutava devidamente, mesmo os que tinham parceiro e uma rede de amigos e colegas. Outros recorriam a astrólogos, cabeleireiros, terapeutas e padres se atravessavam momentos difíceis. No final, concluiu que cada um de nós é a soma daquilo a que prestamos atenção no quotidiano. “Ouvir mal, ou não ouvir de todo, limita a compreensão do mundo e priva-nos de o tornar melhor”, pode ler-se na obra.
“As pessoas sentem-se sozinhas por falta de alguém que as escute”, prossegue a autora, referindo resultados de estudos epidemiológicos que permitem considerar que estamos a braços com uma crise de saúde pública. De resto, é inquestionável a relação entre solidão e doença cardíaca, demência e perda de imunidade. A comunicação pobre, pouco íntima e prolongada no tempo, fomenta a perceção de isolamento, que aumenta o risco de morte prematura e cujos danos para a saúde se revelam piores do que fumar 14 cigarros por dia. Numa sociedade que valoriza quem mais se impõe, manter o silêncio necessário para ouvir com atenção não só exige esforço como é sinónimo de ficar para trás. Apesar de tão desvalorizado socialmente, este sentido liga-nos à vida, mais do que qualquer outro: a audição começa no útero e é a última a perder-se, chegados às portas da morte. Pelo meio, os estudos em neurociência permitem afirmar que crianças com pais desatentos ou demasiado invasivos são mais propensas a terem dificuldades nos seus relacionamentos sociais e íntimos.
Uma relação de sucesso implica saber ouvir
O uso de ressonâncias magnéticas tem permitido apurar o que se passa no cérebro em matéria de processamento quando escutamos atentamente. Pioneiro nesta área, o investigador Ralph Nichols descobriu a razão pela qual muitos de nós deixa de estar atento durante uma interação: a dispersão mental e a incapacidade de estar presente, que levam a que passe ao lado de informações importantes e, não raras vezes, a equívocos e perda de oportunidades. Quando percebem, já é tarde.
Neste livro, a autora sublinha que a proliferação de cursos e dicas para comunicar melhor e fazer-se ouvir tem um problema de base: negligencia as virtudes da escuta, um fator-chave para compreender as motivações das pessoas, construir relações cooperantes e produtivas e descartar as que nos podem ser prejudiciais.
Um bom exemplo de como o “vício” das conversas de circunstância e dos monólogos intermináveis – que mascaram a necessidade de parecer importante ou são uma defesa que impede a presença do outro, que se desconhece e gera insegurança – é o de Dick Bass, uma das histórias reais apresentadas no livro. Durante um voo, o filho de um barão do petróleo do Texas, famoso pelas suas expedições de montanhismo, passou a o tempo a falar com o passageiro do lado a contar as suas façanhas. No momento da aterragem, perguntou-lhe o nome. O passageiro respondeu: «Sou o Neil Armstrong. Prazer em conhecê-lo.» Conclusão: o ditado “o silêncio é de ouro, a palavra é de prata”, validado entretanto pela ciência, é um exercício de sabedoria. De inteligência emocional.