Christian Bruckner. É este o nome do homem alemão de 43 anos, preso neste momento na Alemanha, que a polícia e o Ministério Público alemães acreditam ser o responsável pelo rapto de Madeleine McCann, em maio de 2007. Mas não ficam por aí: os investigadores acreditam – e já o anunciaram publicamente – que o que estão a investigar não é um simples rapto, mas sim um rapto seguido de homicídio. “Infelizmente, podemos dizer que acreditamos que a criança está morta”, anunciou um responsável do Ministério Público de Braunschweig. Já a Metropolitan Police prefere não se comprometer com algo tão definitivo até que seja encontrado o corpo, provas definitivas da morte ou obtida uma confissão: “Eu não tenho qualquer informação definitiva para dizer se a criança está viva ou não”, disse um responsável da polícia inglesa.
E porquê então toda esta convição alemã de que Maddie, desaparecida do quarto onde dormia no empreendimento turístico Ocean Club, na Praia da Luz, há mais de 13 anos, está afinal morta? Por duas razões principais: porque uma das denúncias que chegou à investigação nos últimos anos sobre o desaparecimento da menina descrevia como este cidadão alemão, que agora se transformou no principal suspeito, terá confessado o seu envolvimento no crime a outro homem alemão, num bar; e porque, estando Christian Bruckner a cumprir uma longa pena na Alemanha por violação de uma mulher de 72 anos (em Portugal), e tendo já tido várias condenações anteriores por outros crimes, as hipóteses de a criança ter sobrevivido sozinha eram muito diminutas.
Além do mais, a investigação conjunta entre Portugal, Alemanha e Inglaterra tem trabalhado em várias pistas nesse sentido. Em 2017, a polícia inglesa (Metropolitan Police), no seguimento de um apelo sobre os dez anos do desaparecimento de Madeleine McCann, recebeu uma denúncia a envolver este homem alemão. O que surpreendeu a investigação é que já não era a primeira: em 2013, na sequência da emissão de um programa de televisão sobre a criança que desaparecera sem deixar rasto a 3 de maio de 2007, um canal de televisão alemão recebeu cerca de 500 chamadas e emails com informações – uma delas também apontava para este homem.
Christian Bruckner já estava referenciado em Portugal numa longa lista de suspeitos existente no processo, lista essa que foi enviada em 2012 pela Polícia Judiciária para a polícia inglesa, quando aquela deu início à chamada Operação Orange (investigação milionária ao desaparecimento de Maddie). Sabe-se agora que haveria inclusivamente um retrato robô no processo, feito com base no testemunho de alguém que dizia ter visto um homem assim a rondar o empreendimento da Praia da Luz, com muitas parecenças ao retrato agora conhecido de Christian Bruckner. No entanto, os elementos que constavam do processo na altura nunca foram suficientes para atribuir a este suspeito a relevância que ganhou nos últimos meses.
Foi a junção de várias denúncias que levou os investigadores a quererem investigar mais a fundo quem era este homem. E que permitiu descobrir que já tinha tido várias condenações por abuxo sexual de crianças (do sexo feminino); que vivera em Portugal entre 1996 e 2007; que viveu numa casa arrendada entre Lagos e a Praia da Luz e foi avistado algumas vezes noutra casa vazia, mais no interior algarvio; que conduzia uma autocaravana e um Jaguar; que viveu uns tempos nesta autocaravana Volkswagen Westfalia; e que este veículo foi registado na Alemanha, e em nome de outra pessoa, um dia depois do desaparecimento de Maddie; que em Portugal sobrevivia de trabalhos curtos em bares e restaurantes, e de uma vida criminosa ligada ao tráfico de droga, furto de combustível e assaltos a residências e empreendimentos turísticos e que fez uma chamada na noite do desaparecimento de Maddie, a partir da Praia da Luz, que durou meia hora, e teve como destinatário alguém que não estava naquele local e usava um cartão pré-pago.
Tudo leva a crer que a confissão que o suspeito alemão terá feito no tal bar ia no sentido de que a criança estaria morta. A polícia alemã, aliás, numa lista de perguntas que deixou no seu site, na esperança de conseguir obter mais informações sobre este suspeito e sobre os locais que frequentava, revela ter a perceção de que existem testemunhas que podem ajudar as autoridades a identificar o local onde terá sido escondido o corpo.
E sabe-se agora, também, que afinal, no seu longo cadastro, também existem condenações por crimes sexuais envolvendo menores. E que começaram bem cedo. Segundo a imprensa alemã, quando Christian Bruckner tinha apenas 17 anos, foi julgado num tribunal de menores da Alemanha por abuso sexual de uma criança. Em 2016, voltou a ser condenado por abuso de menores (uma menina) e por posse de pornografia infantil e, agora, estando preso pela violação de uma mulher americana, em 2005, num apartamento na Praia da Luz, está de novo a ser investigado pelo Ministério Público alemão, não só pelo desaparecimento de Maddie McCann mas também por uma alegada ligação ao desaparecimento, em 2015, de uma menina de cinco anos, na cidade alemã de Stendal. Christian Bruckner viveria a 100 quilómetros dessa cidade quando a criança desapareceu.
Outros casos de crianças desaparecidas
Madeleine McCann desapareceu há mais de 13 anos do apartamento onde dormia com os irmãos. Qualquer investigador de casos como este dirá que nestes desaparecimentos “cada minuto a mais é um minuto perdido para a investigação”. Em casos de rapto – como o que aparenta ser o caso de Maddie McCann – as primeiras horas são determinantes para encontrar a criança desaparecida. Isto porque, à medida que as horas passam, o número de pessoas a procurar a criança aumenta, e a história e as imagens da mesma se espalham pelos media, o raptor tende a ficar nervoso. E é nessa fase de nervosismo que muitas vezes ocorre o homicídio.
Num crime em que cada minuto conta, 13 anos deixam os investigadores praticamente sem esperança. Sendo Maddie neste momento já uma adolescente, e sendo a história conhecida mundialmente, só uma razão poderia impedir que não aparecesse se estivesse viva: estar trancada num espaço como uma casa ou uma barracão isolado, ou numa cave, como aconteceu com Natascha Kampusch, raptada e mantida em cativeiro durante oito anos e meio. Mas a história também não é profícua em casos destes com (relativo) final feliz. Em muitos poucos casos de crianças desaparecidas, estas foram encontradas com vida tantos anos depois.
Natascha Kampusch e um longo cativeiro
A história mundialmente conhecida de Natascha Kampusch é mesmo uma raríssima exceção. Tinha dez anos em 1998 quando, na primeira vez em que fazia o caminho a pé para a escola, foi abordada por um homem que a colocou dentro de uma carrinha e a levou para a sua casa nos subúrbios de Viena. Wolfgang Priklopil conseguiu esconder a menina durante oito anos e meio, obrigando-a a viver num cubículo por baixo da garagem, sem janelas, à prova de som, e de apenas seis metros quadrados. Foi torturada e violada inúmeras vezes, até que em agosto de 2006, quando tinha 18 anos, aproveitou um momento de distração do raptor e fugiu para a casa de uma vizinha, a quem pediu ajuda. O raptor acabaria por se suicidar logo de seguida. Durante todos esses anos, Natascha foi procurada pela polícia, sem que ninguém a encontrasse, acabando como mais um nome numa longa lista de desaparecidos.
Iúlia, encontrada 20 anos depois
Em setembro de 2019, aconteceu o que já parecia impossível para Ludmila Moiseenko e para o marido: encontraram a filha de quem tinham perdido o rasto há 20 anos. Iúlia Moiseenko tinha 4 anos quando, naquele dia de outubro de 1999, fazia uma viagem de comboio com o pai para uma vila da Bielorússia. O progenitor adormeceu durante a viagem. Quando acordou, estava coberto de sangue, e a menina tinha desaparecido. Primeiro vieram as buscas, os posters colados nas várias estações de comboio, depois as investigações. Ninguém conseguia saber do seu paradeiro.
No mesmo ano em que desapareceu, dois polícias na Rússia encontraram a menina de quatro anos abandonada numa estação de comboio em Riazan, a quase mil quilómetros de Minsk, capital da Bielorússia. Iúlia lembrava-se que a mãe era Luda e o seu pai Viktor, mas nunca percebeu que estava num país diferente. “Eu não sabia que era da Bielorrússia. Quando fui encontrada, tinha um livro carimbado por uma biblioteca de uma pequena cidade da província ao lado de Riazan. Por isso ninguém pensou que eu poderia ter vindo da Bielorrússia. Concluíram que eu devia ser de Riazan, ou de uma cidade vizinha”, contou Iúlia aos media locais quando percebeu que afinal tinha passado anos à procura da família no país errado.
Iúlia foi para uma instituição e acabou adotada por uma família na Rússia. Um dia, depois de desabafar com o namorado que não percebia como nunca tinha sido procurada, e depois de anos a alimentar a convição de que tinha sido abandonada pelo pai naquela estação de comboio, o companheiro fez uma busca no google com as palavras-chave certas que acabaram por levá-la à verdadeira família. Durante anos, tinha limitado as suas pesquisas ao país errado.
Julian, encontrado 13 anos depois
Julian Hernandez tinha cinco anos e estava sob a guarda legal da mãe quando a 28 de agosto de 2008 não apareceu no infantário e foi dado como desaparecido, na região do Alabama. Foi encontrado aos 18 anos, em Cleveland, Ohio, depois de ter sido raptado pelo pai – que chegou a ser suspeito do crime, mas sem que a polícia tenha conseguido perceber o que tinha efetivamente acontecido. Só quando se candidatou à Faculdade percebeu que o seu nome estava numa lista de pessoas desaparecidas.
Em Cleveland, nos Estados Unidos, a história de três desaparecimentos entre 2002 e 2004 estava afinal ligada. Michelle Knight, Amanda Berry e Gina DeJesus tinham 14, 16 e 20 anos de idade quando foram raptadas e levadas para cativeiro em casa de Ariel Castro. A sua história só foi conhecida em 2013, quando Amanda conseguiu abrir a porta e gritar por ajuda.
Também nos Estados Unidos, mas no Missouri, Shawn Horbeck foi dado como desaparecido em 2007, quando tinha 11 anos e tinha saído para andar de bicicleta. Quatro anos depois, aos 15 anos, foi encontrado pela polícia, no decorrer de umas buscas a outro menino sequestrado. Shawn ficara preso durante quatro anos no apartamento de Michael Devlin, que o sequestrou e violou.