É o esperanto dos tempos que correm. Dito assim, soa a parvoíce, mas falar coronês é algo talvez já estejamos a fazer, mesmo sem nos darmos conta, desde que o bicho entrou nas nossas vidas sem pedir licença nem tempo contado para o fim da visita.
Aglutinar palavras e modificar termos e expressões é um fenómeno tão antigo como a linguagem. Nós, humanos, não resistimos a brincar com o que suscita medo, tédio e outras emoções que preferíamos não ter. Nada com um bom neologismo social e uma pitada de humor para tudo ficar mais simples e digerível. Ou acrónimos que fazem lembrar os tempos de infância e os dialetos inventados, como falar com “Ps”. Agora é o Covidês: nas conversas presenciais que “apanham” na rua (até por as pessoas falarem mais alto a fim de compensar o fator distância), mas também na imprensa nacional e estrangeira. Ora veja:
Covidiotas (Covid + Idiotas): Aqueles que furam a quarentena e outras medidas de segurança e sem reservas. Ou tossem, espirram e cospem para o chão, sem complexos
Coronado (Coronavirus + lixado): Estar pelos cabelos, ou com a cabeça cheia, seja pelo caráter monotemático das conversas ou devido à sensação de impotência face aos estragos da crise
Coronaro (Coronavirus + Bolsonaro): A célebre criatividade dos brasileiros, ou seja, daqueles que não alinham com o Presidente que diz, entre outras ligeirezas, “é só uma gripezinha”
Covidar (Covid + Convidar e/ou Conversar): “Vamos lá covidar”, código para juntar pessoas no Zoom ou em diretos nas redes sociais e conviver, falar e dançar (como na discoteca ou no bar)
Quarentini (Quarentena + Martini): Resposta à pergunta “O que é que estás a beber?”, num encontro virtual. Fãs de Tarantino, já há quem brinque e diga “estás armado em Quarentino”
Infodémica (Informação + Epidémica): Propagação de informações sobre uma crise que podem envolver especulação e geram ansiedade. “Nasceu” no início do século com a SARS
Covidices (Covid + Coscuvilhices): Uma variação de “tangas”, aplicável às teorias da conspiração e outros conteúdos virais de cunho esotérico partilhadas via WhatsApp e afins
Covidexit (Covid + Exit): Desejo e desabafo irónico associado aos britânicos, a darem os primeiros passos do Brexit. “Basta (de confinamento), queremos o Covidexit, se faz favor”
Quaranteens (Quarantine + Teens): A geração que ficou no armário sem querer; variações: os Millennials são agora os Coronials e os Coronababies são os nascidos durante o confinamento
Covidivórcios (Covid + Divórcios): Inspirado no boom de separações após as vicissitudes do confinamento conjugal (e desfecho provável, a la Big Brother, cada um para seu lado no fim)
Coronabonds (Coronavírus + Bonds): Usado nos círculos económicos e políticos, inicialmente designado por eurobonds, é um instrumento de mutualização do risco da dívida pública na UE
Curiosidades: entre a Gramática e História
A nova gíria “contaminou” até o Oxford English Dictionary, que publicou uma edição especial com novas entradas, recuperando vocabulário de épocas passadas nos campos da medicina, da epidemiologia e acrescendo outras. Alguns exemplos de como a Covid-19 mexeu com o léxico e enriqueceu a família das palavras:
R0: Ou R-zero, o número médio de casos de doença infecciosa decorrente da transmissão de um único indivíduo infectado na população. O número básico de reprodução (R), parâmetro usado pela comunidade científica para avaliar o contágio por pessoa – e idealmente inferior a 1 para não propagar a infeção, já tinha sido usado durante a disseminação do VIH nos Estados Unidos.
Isolamento voluntário, Quarentena e Distanciamento social: Parecem novas, mas são expressões que voltaram: no início do século XIX a expressão era usada para descrever nações que se distanciavam do mundo, nos planos político e económico. Na Era Vitoriana já se falava em Confinamento, só que associado a condições específicas da saúde feminina.
Aplanar a curva: Expressão oriunda da epidemiologia, tem honras de sub-entrada no Dicionário. Por cá, o Ministério da Saúde utilizou a expressão “achatar a curva”, meta a atingir com as medidas de prevenção destinadas a linha do gráfico de infetados num nível mais baixo, a fim de não comprometer a resposta dos serviços de saúde.
EPI: a sigla para equipamentos de proteção individual foi atualizada, passando a considerar a prevenção da transmissão de doenças infecciosas, além das substâncias e ambientes perigosos. Noutros tempos, era usada no contexto universitário, significando cursos combinados em filosofia, política e economia.
Cotovelo: Passa a significar também “gesto de saudação ou despedida” entre duas pessoas, como alternativa ao aperto de mão ou abraço e reduzir riscos de propagação de doença infecciosa. interagir com os cotovelos já se fazia entre amigos no início dos anos 1980, mas o código de companheirismo nada tem a ver com o atual.
Abrigos seguros: Hashtags do tipo #Keepthefuckhome e #Keepsafe podem afigurar-se como realidades novas, só que não. Remontam aos anos 1970, marcados pela ameaça de ataques terroristas e nucleares e protocolos para as pessoas saberem como se proteger, agora adaptado ao novo coronavírus.
Além destas, há muitas mais a circular entre nós: Covidários (espaços onde se centraliza a assistência doentes suspeitos ou portadores do novo corona vírus), Cadeias de Transmissão, Máscara, Mitigação (nível mais elevado de resposta institucional à fase de infeção) Viseira, Zaragatoa.
Se deu pela falta de algumas palavras e expressões que costuma ouvir com frequência, é porque, usando a gíria, “são mais que as mães”. Por exemplo, esta prosa está a ser escrita A Partir de Casa (Work From Home), em Teletrabalho, portanto, algo que começou há já 25 anos e começa a ser, agora (outra expressão que começa a ser redundante) O Novo Normal. Este refere-se à vida após o Confinamento. Durante o dito, não sabemos como os animais de companhia se sentiram, porque ainda não falam: se os passeios foram a menos ou a mais. Para humanos, caninos e felinos, a expressão (ou intenção) “Vou ali Desconfinar um bocadinho” será o equivalente ao clássico “Vou ali comprar cigarros e já volto”.