A discussão não é de agora – na verdade dura há séculos – mas cada vez mais cartógrafos, geógrafos e artistas procuram encontrar novas formas de representar o mundo que possam ser fiéis às dimensões reais dos países.
(se ficou a pensar “como assim, reais?”, continue a ler este texto)
O mapa-mundo que se tornou “oficial” foi criado na Flandres pelo cartógrafo Gerardus Mercator, em 1569. A grande diferença introduzida foi a definição de linhas retas que cortam os meridianos com o mesmo ângulo, o que facilitava a navegação no século XVI. O mesmo continua a ser válido para o século XXI, pois até o Google Maps, por exemplo, segue as mesmas coordenadas.
Contudo, como qualquer tentativa para representar uma esfera (a Terra) num plano a duas dimensões (o mapa-mundo), a projeção de Mercator dá uma imagem falsa das dimensões dos países, sobretudo junto aos pólos. O desafio nos últimos anos tem sido o de criar um mapa o menos distorcido possível – e a discussão ganhou maior fôlego quando o alemão Arno Peters anunciou ter conseguido desenhar esse mapa, em 1973, com base nos estudos do cartógrafo oitocentista James Gall.
Além da dimensão errada dos países, Peters critica sobretudo a visão de Mercator, que é centrada na Europa, aumentando significativamente estes países e diminuindo todos os situados no Hemisfério Sul. Além disso, coloca o Hemisfério Sul em baixo e o Hemisfério Norte em cima, reforçando também a noção de superior versus inferior.
Os australianos, por exemplo, usam o mapa ao contrário, com o país representado ao centro e na parte superior do globo. E, de facto, porque haverá de ser o Hemisfério Sul em baixo? E porque tem a Austrália de estar “no fim do mundo” ou a “um canto”? É apenas uma questão de hábito, reproduzindo o mapa de Mercator, mas tal pode ter consequências até na auto-estima de um povo, como prova o exemplo australiano.
E que dizer de África? Se as dimensões fossem corretamente representadas, o continente africano teria de triplicar em tamanho e engoliria a Europa – ou, pelo menos, reduziria a sua presença de forma dramática.
O designer holandês Kai Krause criou um mapa do continente africano com outros países sobrepostos, como peças de um puzzle, para que fosse mais fácil compreendermos o que está em causa. E assim, com um olhar, percebemos que só somando as áreas de quase toda a Europa, Estados Unidos da América, Japão, Reino Unido, Índia e China seria possível igualar a imensidão aficana.
Outra forma de ver a realidade poderá ser esta: até a China tem menos de metade da área de África.
Há outras projeções, tentando sobretudo compensar o facto de a Terra ser uma esfera, como é o caso do Winkel Tripel, de 1921, e será natural que outras versões venham a ser ponderadas no futuro: afinal, ainda usamos um mapa desenhado por um homem que olhava as estrelas de astrolábio na mão, quando temos tantas possibilidades tecnológicas ao nosso dispor.
O assunto tem sido discutido em vários fóruns internacionais, em reuniões das Nações Unidas e nos executivos de alguns governos. Mas, exceptuando a “volta ao contrário” que a Austrália deu ao mapa de Mercator, não foram acordadas nem aprovadas alterações à forma comum como os países devem representar o seu lugar no mundo. As implicações são demasiado complexas – talvez até impossíveis de implementar.
De forma mais divertida (mas fidedigna), o tema foi abordado no 16º episódio da 2ª temporada da série West Wing (Os Homens do Presidente), numa reunião da Organização de Cartógrafos pela Igualdade Social com a porta-voz (C.J.) e o chefe de gabinete (Josh) do Presidente Bartlet. Tal como tem sucedido na vida real, nada é alterado.
Depois de conhecidas as falhas do mapa impresso em todos os manuais de Geografia, como poderemos ignorar a realidade e continuar a olhar para o mundo da mesma forma? Talvez calibrando a imaginação e pensando que neste canto da Europa não haveria mudanças significativas: Portugal será sempre um pequeno país, por mais voltas que se possam dar.