“O cordão umbilical tem uma função: alimentar o bebé. Através dele, a criança recebe sangue, oxigénio e os nutrientes necessários para se desenvolver, assegurando-se assim uma gravidez de sucesso. Tudo o resto deve ser secundário”. Quem fala assim é João Ramalho Santos, biólogo e presidente do Centro de Neurociências e Biologia Celular, a propósito da visita a Portugal de Joanne Kurtzberg, pediatra e investigadora da Duke School of Medicine, onde lidera um programa de transplantação pediátrica que, à boleia de uma palestra na Reunião de Primavera da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia e Medicina Materno Fetal – titulada “Extending Cord Blood to Regenerative Therapies for the Brain” – aproveitou para promover a ideia de que não há riscos em cortar o cordão umbilical até um minuto depois do nascimento.
E é aí que reside o ponto central da questão: esperar entre 1 a 3 minutos até se avançar para esse procedimento é uma recomendação da Organização Mundial de Saúde. A razão primordial para isso chama-se anemia, que tem na deficiência de ferro uma das principais causas, aumentando a mortalidade infantil e causando problemas de desenvolvimento cognitivo, motor e comportamental – mas, como se lê no site da OMS, há uma série de outros benefícios.
Recentemente, a mesma médica americana fez algum furor pelo facto de o seu ensaio clínico em crianças com paralisia cerebral ter passado a fase 1 – mesmo que isso queira apenas dizer que é um procedimento que não faz mal. “E não o torna, seguramente, terapeuticamente relevante”, assinala ainda João Ramalho Santos, rematando que “não há nada sobre este uso destas células em ensaios clínicos que já tenham passado a fase 2 ou 3”.
E isto ajuda a explicar por que razão, naquele caso, o trabalho de Kurtzberg não se livrou de estar a criar falsas esperanças a pais de crianças autistas, que chegaram a pagar dezenas de milhares de dólares a centros que oferecem tratamentos com células estaminais.
O negócio das células do cordão umbilical tem agora mais de 15 anos e segue recheado de polémica. É já aceite que aquelas têm mais plasticidade do que as de um adulto e há alguma evidência dos seus benefícios para tratamentos ósseos, mas ainda tudo muito experimental. “Só foram validados os casos de transplante de medula óssea. Quanto às outras aplicações, as melhorias sentidas podem ser só devidas a uma boa nutrição e ao apoio psicológico”, insiste Ramalho Santos.
Mas o que Joanne Kurtzberg veio dizer, além de visitar as empresas portuguesas que operam na área dos bancos privados de células do cordão umbilical, foi que 70 a 80% do sangue que está no cordão e na placenta são transferidos para o bebé durante o primeiro minuto após o nascimento – e que o recomendava porque assim se mantém a viabilidade de colheita e armazenamento do sangue do cordão umbilical. Em sua defesa, a médica cita as atuais recomendações do American College of Obstetricians and Gynecologists, que em 2016 veio apelar a que se aguardasse mais do que se fazia até então, para avançar para esse procedimento. É nesse contexto que há referência ao tal tempo de espera de 30 segundos a um minuto.