Há quanto tempo não dá uma cambalhota? Ainda se lembra como se faz uma pirueta? Quer ficar pendurado de cabeça para baixo, como um morcego? Arrisca-se numa espargata? Estas são apenas algumas das posições e dos movimentos realizados numa aula de acrobacia aérea, a ganhar cada vez mais adeptos de todas as idades.
Marta Vasco, 13 anos, despediu-se do coro para ir ter aulas de teatro, mas quando chegou à Perfolie Arte, escola de artes performativas na Abóboda, concelho de Cascais, experimentou acrobacia aérea e já não quis outra coisa. Agora, em vez de praticar uma vez por semana, vai todos os dias, ao final da tarde, depois das aulas, para os tecidos verticais, o trapézio, a lira e a corda, aparelhos que lhe permitem descobrir as técnicas do circo contemporâneo. Entusiasmada, Marta já convenceu quatro amigas a experimentarem a aula e sonha com uma ida a Barcelona, para frequentar o curso de artes circenses no Institute of The Arts.
Desde a abertura, em maio do ano passado, a escola da Abóboda tem vindo a crescer. “Chegam aqui cada vez mais pessoas à procura de atividades diferentes. Estão fartas de irem ao ginásio, de trabalharem os músculos a pensar neles. Aqui também se ganha músculo e se perde peso, mas a mente está focada em não cair, em fazer tudo bem feito”, explica Dina Costa, professora e dona da academia. Nestas aulas feitas nas alturas, superam-se medos, ganha-se confiança e a autoestima sai fortalecida, ao mesmo tempo que são trabalhados a coordenação motora, a velocidade, a flexibilidade, o equilíbrio, a resistência e os reflexos.
Além dos artistas de Novo Circo que frequentam a escola como um lugar para ensaiarem, se treinarem e se manterem em forma, também há muitas mães a quererem acompanhar as filhas. Sara Vasco, 43 anos, mãe de Marta, já cancelou a mensalidade no ginásio, para passar a ter aulas de acrobacia aérea. “Parece muito difícil, mas como é mais técnica do que força ou até jeito, a pessoa sente-se confiante. O inacessível passa a ser possível”, descreve. “Ao contrário das habituais aulas no ginásio, na acrobacia aérea há infinitas posições. Cada aula é uma nova conquista.”
Na ficção como na vida real
No armazém da Perfolie Arte, com um pé-direito de sete metros e meio, os tecidos vermelhos, verdes, roxos e azuis pendurados no teto podem parecer arriscados, mas todo o equipamento está preparado para aguentar toneladas de peso. “A pessoa vai só até onde a sua consciência corporal deixa. Estamos sempre atados; no limite fica-se pendurado pelo pé”, garante Dina Costa. Mesmo com vários colchões no chão e os monitores por perto, é possível fazer alguma distensão muscular ou inflamação nos tendões, mas as “maleitas” mais frequentes são as nódoas negras, os calos e as queimaduras simples por atrito, pelo que os leggings de perna inteira e os braços tapados são certos.
Formada em ballet clássico e depois de ter frequentado Artes Circenses no Chapitô, em Lisboa, Dina Costa descobriu, há três anos, numa viagem a Montreal, que as acrobacias aéreas podem juntar-se em palco a qualquer outra expressão artística. Do Canadá trouxe a experiência de atuar lado a lado com artistas de circo internacionais e a ideia de abrir a própria academia, para ensinar, desde bebés (aula baby circus) até adultos de todos os níveis (uma das alunas começou aos 50 anos). A essência do circo contemporâneo mantém-se idêntica à do tradicional – o que o torna atual é a fusão com várias técnicas, como a dança e a representação.
Impulsionador deste interesse recente pelo circo, o filme O Grande Showman, de Michael Gracey, com Hugh Jackman, Michelle Williams e Zac Efron nos principais papéis, não foi um êxito de bilheteira quando se estreou no Natal do ano passado, mas deu um empurrão à temática. “Como formador e artista, sinto que o circo tem tido cada vez mais visibilidade. Ficou mais acessível com o crescente número de aulas em horário pós-laboral”, analisa Gerald Oliveira, professor de acrobacia aérea da Escola de Artes e Ofícios do Espetáculo do Chapitô.
A projeção da ficção televisiva para a realidade, seja com a série Circo Paraíso, em exibição na RTP1, ou com a novela Alma e Coração, na SIC, desperta o interesse e o gosto pelo meio circense. E, de repente, as pessoas descobrem que têm aulas à porta de casa. Em Circo Paraíso não há cães amestrados nem música espalhafatosa, mas há palhaços, acrobatas e malabaristas para contarem uma história de mistério, que usa uma linguagem artística cheia de suspense.
Para se prepararem para a novela Alma e Coração, que se estreou neste mês, os atores Miguel Costa, Rui M. Silva e Cláudia Vieira juntaram-se, há quatro meses, ao professor Gerald Oliveira para conhecerem o meio, trabalharem a maneira de falar com uma linguagem específica, para corrigirem a postura e conhecerem os aparelhos. “Como os três seriam atores na novela, a certa altura invertemos os papéis. Começaram a dar-me as aulas, e eu só entrava para ajudar na técnica”, explica o formador. Na apresentação da nova temporada da SIC, a atriz Cláudia Vieira fez um número de trapézio ao vivo, de um minuto e meio, exercício semelhante ao que os alunos de Gerald apresentam no final de um ano letivo. Prova superada, na ficção tal como na vida real.