O slogan da Kodak, nos anos 90, parece nunca ter saído de moda. “Momentos para mais tarde recordar” resume toda e qualquer intenção dos bloggers que surgem logo a encabeçar a lista quando se pensa em quem publica fotografias dos filhos na Internet. Os seus álbuns digitais são vistos por milhares de seguidores, mas a maioria alega que por serem “momentos felizes” não são alvo de humilhação pública. Há cerca de 15 anos, quando surgiram em Portugal os primeiros mummy blogs, as mulheres fascinadas pela novidade da maternidade partilhavam todos os momentos dos seus filhos, desde as fraldas, ao banho ou a primeira papa. Os blogues, entretanto, foram misturando umas dicas de lifestyle e a moda infantil surge como um filão no negócio que os blogs se tornaram. As bloggers nacionais sabem que algumas marcas só as contactam por serem mães. Com a chegada da adolescência muitos são os bloggers que desligam os holofotes sobre os seus filhos – estão cientes de que o rasto digital criado já pode condicionar a vida dos miúdos. E as questões de segurança não são esquecidas, tal como qualquer outro progenitor.
Fernanda Ferreira Velez, 37 anos
Blog da Carlota
A moldura dos tempos modernos
“Em 2012, quando a Carlota nasceu estava encantada com a maternidade e comecei por falar de moda infantil. Não sabia sequer que os blogues davam dinheiro. É verdade que exponho a cara das minhas filhas, mas não a sua intimidade. Ninguém sabe como é o dia-a-dia, não falo de birras, se têm dificuldades ou se estão doentes. É algo mais superficial, pois o objetivo do blogue é o lifestyle, com temas como decoração ou viagens, e cada vez mais direcionado para mim e menos para elas. Através das fotografias que publico das minhas filhas só se conhece uma camada superficial da minha vida. No fundo é um álbum de fotografias a que toda a gente pode aceder, mas não as humilho. Não publico nada que elas se possam envergonhar. Quais são as fotografias que escolhemos para as molduras? As melhores. É o que faço com o blogue, é a moldura dos tempos modernos. Vivemos na época da tecnologia, não pode ser nem tanto ao mar, nem tanto à terra.”
Catarina Beato, 39 anos
Dias de Uma Princesa
Uma partilha consciente
“Há uma diferença entre expor e mostrar. Mostro os meus filhos mais novos, mas a partir da idade em que por timidez normal da adolescência o mais velho pediu para não aparecer, deixei de o pôr. Mostro fotografias dos meus filhos em situações normais, mas não os dou a conhecer. Os meus leitores não sabem os seus gostos, em que escola andam, em que situações fazem birras, do que é que têm medo – isso é a privacidade. Até podia ser muito mais expositiva só escrevendo, sem mostrar imagens. A escrita é muito mais poderosa do que as fotografias. Não os exponho, não conto pormenores, nem fragilidades, da mesma forma que não ponho nudez, porque não me sinto confortável com isso. Sou dona deles neste aspeto e também sou dona deles quando escolho uma escola.
A questão da privacidade deixa de existir a partir do momento em que surge a nuvem (cloud), não está só num blog ou no Instagram. As questões da privacidade poderão ter de ser discutidas mas num âmbito muito mais abrangente. Tento pensar que se tivesse as minhas janelas todas abertas, o que é que não me importava que vissem? Neste momento estou confortável com o que faço, porque a sinto como uma partilha muito consciente.
As pessoas sabem que o blogue em algum momento tem retorno financeiro, com acordos feitos com marcas de alimentação, roupa e brinquedos, e muitos deles só existem porque sou mãe. Mas tenho uma regra: se o acordo exigir que os meus filhos apareçam, não aceito. Com o meu filho do meio temos uma brincadeira que fazemos a sério: quando é publicada alguma coisa em que participou guardamos parte do dinheiro numa conta poupança. Acho que não estou a explorá-lo, pois não foi feito no tempo dos trabalhos de casa ou de aulas.”
Ana Garcia Martins, 37 anos
A Pipoca Mais Doce
“Vai acabar por pagar o justo pelo pecador”
“Sendo blogger e expondo a minha vida, tento fazer isso com algum bom senso. O blogue começou há 14 anos, uma década antes de o meu filho nascer, por isso não se centra na sua existência, aparece pontualmente quando acho que faz sentido. Se retirar todas as publicações com o Mateus o blogue subsiste. Mas tenho cuidado em não publicar fotos dele com a farda da escola ou em tempo real. Faço questão que as pessoas não saibam as suas rotinas. O tipo de exposição das crianças é diferente entre os bloggers e o programa Supernanny, pois não mostramos os nossos filhos a fazer birras, a tomar banho ou em situações de fragilidade. Mas nada me garante que, quando o meu filho tiver mais discernimento, não vá achar que não queria ter sido exposto desta forma, apesar da minha preocupação em mostrá-lo só em situações felizes, que ele não considere embaraçosas daqui a uns anos.
Acredito que muito em breve teremos uma legislação mais apertada e abrangente e não me chocaria nada que viessem a proibir bloggers de usar fotografias dos filhos. Então e a publicidade, o cinema e as telenovelas? Vamos banir completamente as crianças da nossa realidade? Para fins artísticos pode ser, mas para deleite dos pais não? Vai acabar por pagar o justo pelo pecador.”
Sónia Morais Santos, 44 anos
Cocó na Fralda
“Sempre vimos crianças na televisão”
“Termos fotografias de miúdos felizes, em ambiente familiar equilibrado e ordeiro, não é o mesmo que expor os miúdos, em horário nobre, com claros desequilíbrios provocados pelos pais que, involuntariamente, lhes estão a provocar esse mau-trato, por não saberem ter mão neles. Vamos agora banir as crianças da nossa existência? Elas existem e os pais sempre decidiram o que fazer com elas, cumprindo os mínimos da normalidade e do bom senso. Sempre vimos crianças na televisão e então esses pais também vão ser chamados às comissões de proteção de menores por causa dos anúncios às papas, às fraldas ou nos filmes de Hollywood?
O meu blogue tem cada vez menos a presença dos meus filhos. Os mais velhos já não aparecem, porque achei que têm direito à sua privacidade. Daqui a vinte anos logo se vê como reagem à imagem daquela birra publicada quando eram pequeno. É uma carta fechada. Acho que é tão inofensivo, não há esfera íntima, há só pequenos detalhes de uma família absolutamente normal. Uma coisa é ver fotografias de miúdos a jogar à bola e a brincar com um cão, outra é ver crianças a dar pontapés nos pais. Os pais não são donos dos filhos, mas da mesma maneira que decidem pelos filhos se eles vão para a catequese, para determinada escola, para o teatro, também podem tomar a decisão de os pôr num blog. Se me proibirem serei a primeira a cumprir, mas vão ter de me explicar como continuam a aparecer crianças em filmes, peças de teatro e anúncios na televisão.”
António Raminhos, 37 anos
As Marias
“Só quem não brinca com os filhos é que não fez aquilo que fiz”
“As minhas filhas não participavam no espetáculo As Marias, só foram assistir e adormeceram a meio. Elas eram apenas o tema e tudo derivou dos vídeos que falavam sobre ser pai. A situação originava o vídeo e não o contrário. Os vídeos aliás nunca foram impostos e cada vez faço menos vídeos com elas porque já não estão para aí viradas. Enquanto no Supernanny são os putos que dão cabo da vida aos pais, aqui sou eu que lhes chateio a cabeça. Ao início recebi muitas críticas, algumas diziam que era uma vergonha e irresponsabilidade, outras que recordavam a sua infância ou diziam que quando fossem pais querem ter uma relação assim. Só quem não brinca com os filhos é que não fez aquilo que fiz. Os vídeos são uma maneira de nos divertirmos e brincarmos e quero que as minhas filhas nunca se esqueçam de mim. Várias vezes penso se o rasto digital irá prejudicá-las no futuro… Até já falei com alguns psicólogos que me explicam que tudo está relacionado com a educação e o tipo de exposição, neste caso é friendly.
João Miguel Tavares, 44 anos
Pais de Quatro
“As redes sociais são como uma faca”
“Faz-me impressão uma divisão em que se fala dos filhos para um lado e dos pais para o outro. O meu problema é que isso não existe. Há uma família e sou grande fã dessa invenção chamada família. Mesmo o programa Supernanny é muito centrado na questão pais versus filhos, questão com a qual não me identifico minimamente. O Supernanny é indefensável porque o problema é a exposição gigantesca da família. Mas a probabilidade de alguém encontrar o vídeo do “Furacão Margarida” a fazer birras daqui a vinte anos é mínima.
Não quero que os filhos desapareçam do espaço público. Os limites devem ser traçados por cada família e pelo bom senso. Uma exposição excessiva das crianças em momentos de intimidade e de dor não tem piada nenhuma, mas não acho que deva haver um polícia do bom gosto. As famílias têm todo o direito de partilhar com quem entenderem, dentro da realidade das redes sociais, os momentos de felicidade das pessoas à sua volta. As redes sociais são como uma faca, tanto servem para cortar o pão como para enfiar na barriga de alguém, mas o problema não é a faca, é o uso que se faz dela. Como gosto de famílias, acho que devem ser mostradas. Era o que faltava não poder mostrar os meus filhos num momento divertido, ninguém tem nada a ver com isso.”