Falar de cancro é falar de tempo. Em todas as etapas da doença. No diagnóstico, no tratamento, nos intervalos entre cada um dos procedimentos. Numa corrida contra o próprio corpo. Uma luta em que o objetivo é travar as divisões celulares aceleradas e descontroladas.
Garantir que cada um dos doentes tenha o mesmo tratamento tem de ser uma prioridade. Do Ministério da Saúde, dos médicos, dos enfermeiros. Esta é uma das principais conclusões do grupo de trabalho reunido pela Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), que incluiu associações de doentes e profissionais. O resultado deste trabalho de análise está reunido no documento Cancro 2020: podemos fazer (ainda) melhor, que será apresentado no Parlamento a 12 de julho. “Esta é uma área muito crítica e sentimos um grande consenso entre todos os elementos do grupo de trabalho quanto à direção a seguir”, nota Rute Ribeiro, a investigadora da ENSP responsável pelo estudo.
Não há muito a apontar ao atendimento prestado ao doente oncológico em Portugal quando se analisam indicadores como a sobrevivência. “Está tudo melhor”, resume a investigadora. Mas é preciso olhar para cada caso e garantir que o doente está de facto no centro do processo. “Mesmo num cenário de excelência clínica, o cancro é sempre uma tragédia pessoal”, nota Rute Ribeiro. É por isso que “para tratar a doença não basta competência técnica e medicamentos de ponta.” É preciso ouvir o doente, envolvê-lo, melhorar a comunicação entre os profissionais e os pacientes. Eventualmente incluindo a componente da comunicação na formação de médicos e enfermeiros. “Em todo o seu percurso pelo sistema, o doente deve sentir-se importante e ouvido”, escreve-se nas conclusões do relatório.
Outras medidas consideradas importantes são o funcionamento em rede, que deve incluir por exemplo as associações de doentes. A criação de um sistema de informação nacional, que de certo modo já está em curso, com a criação do Registo Oncológico Nacional – esta base de dados vai permitir comparar tempos de espera, tratamentos aplicados e resultados em termos de sobrevivência de cada um dos doentes oncológicos tratados em Portugal. Também se pede o acesso rápido e igualitário a novos medicamentos e um modelo de financiamento orientado, e avaliado, em função do doente, que deve ser uma espécie de “auditor” do seu próprio percurso.
Para isso, é preciso que “cada hospital e cada serviço olhe para eventuais pontos de inefeciência do sistema, otimizando o seu funcionamento”. E também que o Ministério da Saúde tenha em atenção as instituições, “dotando-as dos recursos necessários.”
“A noção de doente tratado tem de incluir os aspetos valorizados pelo próprio”, resume. Por uma medicina que vai muito além dos números.