Com a mão trémula, Manuel Costa, 59 anos, tira o cigarro do canto da boca para beber umas golfadas de água que jorra para o tanque da aldeia de Nodeirinho, onde ainda se lava a roupa. O tanque que salvou a vida a meia dúzia de pessoas, que se atiraram lá para dentro, em desespero, para fugir às chamas que queimavam tudo à sua volta.
Mas esta água não lhe salvou o filho, Diogo, de 21 anos. “Ele saiu de casa com a carrinha, com baldes de água lá dentro para combater o fogo, e meteu-se na estrada. Já encontraram a carrinha, toda queimada. Mas ainda não o encontraram a ele. Ainda não encontraram o meu filho…” O cunhado, que também abandonara a sua casa, sim, foi encontrado. Morto, a poucos metros do carro. A esperança de que Diogo tenha tido diferente destino é pouca. Mas até o corpo ser encontrado, ou identificado, Manuel mantém o filho no limbo: não está morto nem está vivo. E isso, de certa forma, dói mais.
Nodeirinho perdeu onze dos seus 50 habitantes. Todos morreram nas estradas e caminhos da aldeia, que fica mesmo no centro do triângulo infernal da maior tragédia da história recente portuguesa, entre Figueiró dos Vinhos, Castanheira de Pera e Pedrogão Grande. O mais irónico é que praticamente não há habitações ardidas em Nodeirinho. A melhor fuga teria sido ficar em casa. Mas ninguém poderia adivinhar. Assim como ninguém consegue imaginar o terror que passa pela cabeça de quem se vê rodeado por labaredas que parecem vir de todo o lado, empurradas e puxadas por ventos ciclónicos, e por um fumo negro, espesso, que tolhe a visão e impede a respiração. Um terror que bloqueia a razão e deixa livre apenas o instinto de fugir, fugir, fugir, sem se saber para onde. E aqui, naquele horrível fim de tarde, não havia para onde.
Ou talvez houvesse. Numa das saídas da povoação jazem dois carros carbonizados. Vinham de fora e estavam a tentar entrar, para escapar às chamas do pinhal que rodeia a aldeia. Mas uma árvore caiu na estrada. O primeiro carro bateu no grande tronco, o segundo chocou contra ele. Ninguém conseguiu sair, à vista da torre da capela, a 50 metros – que se mantém alva, incólume, sem o mais leve vestígio de que as chamas lhe tenham tocado. Um inútil porto de abrigo.
Se aquele pinheiro não tivesse caído naquele momento, cinco pessoas não teriam perdido a vida. Uma só árvore provocou cinco tragédias.