Um dia, em fevereiro do ano passado, Miguel Rocha, 34 anos, atual campeão nacional de bodysurf, acordou com visão dupla e uma estranha dormência na cara. No hospital disseram-lhe que era tudo stress e prescreveram calmantes. Os amigos não engoliram a justificação. “Sou uma pessoa muito calma”, diz-nos. Uma segunda consulta levou a uma ressonância magnética que resultou no diagnóstico: esclerose múltipla. Miguel ficou assustado, sobretudo porque pensou logo na doença que afetava um amigo, a esclerose lateral amiotrófica, que à partida tem um prognóstico bastante pior.
A primeira coisa que quis saber foi se podia continuar a praticar bodysurf e a resposta não podia ter sido pior. “Os médicos aconselharam-me a deixar este desporto, por uma questão de precaução”, relata. No fundo, os médicos temiam que Miguel viesse a ter uma crise, estando dentro de água, o que poderia pô-lo em perigo.
Depois de dois meses de sofrimento, afastado do mar, e já com a doença estabilizada, graças à medicação que entretanto tinha começado a fazer, Miguel Rocha foi com uns amigos a um bodysurf ride, para a zona de Sagres. A companhia deu-lhe confiança para enfrentar as ondas. E nunca mais parou. Decidiu participar no campeonato nacional da modalidade. “Nem tinha a ambição de ganhar e acabei por ter um dos meus melhores anos de sempre”, recorda.
Este ano, está de novo em competição, já com o peso da responsabilidade de ser o campeão em título. Ao fim de duas provas, está em segundo lugar.
A primeira vez que falou da patologia numa rede social recebeu inúmeras mensagens de apoio, pedidos de eslarecimento e percebeu que podia ter um papel a desmistificar o peso desta doença crónica. Com o vídeo em que participa, a propósito do Dia Mundial da Esclerose Múltipla, que se comemora este ano a 31 de maio, pretende-se mostrar a doentes e familiares que é possível trabalhar e até praticar um desporto ao mais alto nível depois de um diagnóstico à primeira vista assustador. “Se servir de exemplo a uma só pessoa, já terá valido a pena participar”, admite o campeão.
A esclerose múltipla (EM) é uma doença crónica, inflamatória e degenerativa que afeta o sistema nervoso central com sintomas tão diversos como a fadiga, problemas na visão, perda da força muscular nos braços e pernas, alterações da sensibilidade, dor, alterações urinárias e intestinais, problemas sexuais, equilíbrio/coordenação, alterações cognitivas e alteração de humor ou depressão. “Os desafios para o diagnóstico da EM residem precisamente na forma como as suas manifestações variam de doente para doente. Isto faz com que por vezes se demore muito tempo a chegar a um diagnóstico conclusivo. No entanto, e uma vez estabelecido o diagnóstico , existem atualmente várias soluções terapêuticas que nos ajudam a controlar e gerir a EM. É para isso importante que todas as pessoas diagnosticadas com EM procurem um neurologista para perceber qual o tratamento mais adequado ao seu caso”, explica José Vale, coordenador do Grupo de Estudos de Esclerose Múltipla da Sociedade Portuguesa de Neurologia.
Em Portugal há mais de oito mil pessoas diagnosticadas. No mundo todo serão 2 500 000. Esta campanha, lançada pela empresa farmacêutica Sanofi Genzyme pretende incentivar os doentes a procurarem uma melhor qualidade de vida, precisamente o objetivo principal da efeméride.