No trabalho, os colegas dizem que é pró-ativo, mas no seu país, Ihssan Khalifeh nunca organizou uma manifestação. Hoje em dia, falar de questões políticas sobre a guerra na Síria, que já dura há seis anos, é até algo que o incomoda e prefere não fazer. No entanto, não anda alheado do que se passa na terra liderada por Bashar al-Assad. Todos os dias de manhã consulta os sites internacionais para “ler as notícias más” e chega-lhe. Ihssan Khalifeh está convencido que nos próximos tempos não haverá notícias positivas sobre o fim do conflito na Síria. “De certeza que vai demorar muito tempo, porque já passaram seis anos desde o início da guerra. Se alguém estivesse interessado em resolver o problema já o teria feito. Ninguém fez, nem quer fazer porque de todos os lados, de este a oeste, há interesse em manter a situação como está”, remata assim o assunto.
Há dois anos, este jovem estudante universitário de 25 anos, aterrou em Lisboa, depois de uma viagem a bordo de um avião militar português que o trouxe de Damasco para Portugal. Era a resposta da Plataforma Global de Assistência Académica de Emergência a Estudantes Sírios, uma iniciativa do ex-Presidente da República Jorge Sampaio, à sua candidatura de emergência a uma bolsa de estudo. Do grupo de 45 a 50 estudantes que com ele fizeram a viagem, Ihssan Khalifeh e outros seis alunos foram para a Universidade de Aveiro, os restantes foram distribuídos por outras faculdades portuguesas. Ihssan lembra-se perfeitamente de como naquele domingo de março foram muito bem recebidos pelos serviços académicos e por uma funcionária administrativa da residência universitária. Nessa altura, só falava inglês e bem. Hoje, explica-se num português perfeito, depois de ter feito dois cursos e de ter tido todas as cadeiras do curso de Engenharia Civil na nossa língua.
Quando Damasco deixou de ser seguro
Apesar de ter nascido no Bahrein, Ihssan Khalifeh é um cidadão sírio que morava em Damasco, desde os dois anos. Filho de um professor de Matemática e de uma professora de Língua Árabe, é o mais novo de cinco irmãos. Atualmente, a família Khalifeh está espalhada pela Jordânia (onde moram os pais e uma irmã), pela Holanda (onde trabalha um irmão arquiteto) e pelo Porto, onde Ihssan partilha casa com outros dois irmãos.
Em 2011, quando as manifestações começaram na Síria, o país já estava a viver num clima de insegurança. “Não se podia prever quando ia haver um conflito ou um bombardeamento, o movimento económico também começou a cair, não havia empregos e ir à universidade era perigoso. Tudo isto deixou a vida sem segurança”, descreve o recém-licenciado. Ihssan e a família moravam mesmo no centro de Damasco, capital da Síria, e nessa altura já frequentava a universidade Yarmouk Private, onde também recebia uma bolsa de estudo. Tal como tantas outras crianças um pouco por todo o mundo, em pequeno Ihssan pensava que ia ser polícia ou bombeiro, mas com o andar dos estudos percebeu o gosto pela Matemática e pela Física.
O centro da sua cidade, por enquanto, continua intacto. Com o nível elevado de proteção do centro de Damasco, as ruas enchem-se de pessoas, de muitos refugiados sírios que saíram de outras cidades do país para ali se instalaram. E essa é a grande diferença que Ihssan Khalifeh nota. Além disso, o jovem engenheiro civil conta que a vida das pessoas mudou bastante devido ao aumento do custo de vida. Por exemplo, um pacote de arroz que já custou 50 cêntimos, hoje chega aos dois euros.
Quando se candidatou à bolsa de estudo portuguesa, Ihssan sabia algumas coisas, poucas, sobre Portugal. Sabia que tínhamos sido um povo de Descobridores, que era um país calmo e com tempo muito bom, aliás “é muito aparecido com as cidades à beira-mar da Síria, têm quase o mesmo clima”.
Entretanto, Ihssan mudou-se de Aveiro para o Porto, em fevereiro do ano passado, quando começou o estágio curricular na Mota-Engil, uma das empresas parceiras da Plataforma Global de Assistência Académica de Emergência a Estudantes Sírios, para fazer a tese de mestrado sobre “pavimentos rodoviários com utilização de misturas betuminosas a quente”, a qual terminou esta semana com 18 valores, ficando com uma média final de curso de quinze. Nos últimos meses, trabalhou no planeamento e gestão das obras de alargamento da autoestrada A1, em Gaia, e já tem um contrato de trabalho com a construtora portuguesa, como um dos adjuntos do diretor da obra. Parece que a nova vida que Ihssan Khalifeh veio procurar em Portugal começou esta semana.