Tornar-se vegetariano é difícil. E ser-se vegano ainda mais, porque a exclusão de produtos de origem animal estende-se à higiene e ao vestuário. E, tanto num caso como noutro, é quase obrigatório um trabalho constante de pesquisa – para manter este estilo de vida, os rótulos dos alimentos não são suficientes.
“A lei portuguesa não facilita a vida das pessoas, diz o nutricionista Cláudio Rodrigues, da Clínica de Nutrição de Lisboa e do Porto. Apesar de ser obrigatório colocar a lista completa dos ingredientes de um alimento no rótulo, o nutricionista diz que, muitas vezes, a leitura não é de fácil compreensão e que não é muito explícito para pessoas comuns. “Muitas vezes, nem para nós, profissionais da área, é fácil interpretar os rótulos. Principalmente conseguir perceber se um alimento é de origem animal ou não.”
A única forma de evitar plenamente o risco de comer derivados de carne, acrescenta, seria comer alimentos… sem rótulos. Ou seja, ingerirmos apenas alimentos que não apresentam lista de ingredientes, pois significa que são pouco ou nada processados – o facto de o alimento ser processado é meio caminho andado para se ter uma má surpresa. “Quanto mais processado for, maior é o risco de conter algum ingrediente de origem animal”, refere o especialista.
Mas há dicas que se podem seguir na leitura do rótulo. “Se um produto apresentar uma quantidade de colesterol superior a 0%, então é certo que tem algum ingrediente de origem animal”, afirma Ana Bravo, nutricionista e especialista em emagrecimento na Clínica Saudarte. Atenção: o contrário pode não querer dizer nada: o facto de um produto não ter colesterol, por si só, não significa automaticamente que seja de origem vegetal.
Além dos ingredientes de origem animal que saltam logo à vista num rótulo, como é o caso do soro de leite, leite em pó, gema de ovo ou caldo de carne, é importante procurar-se os ingredientes escondidos. Aqueles que são silenciosos mas que não deixam de estar lá.
Um exemplo disso é a gelatina. Muita gente sabe que vários tipos de gelatina são de origem animal. Mas poucos têm a noção de que, ao tomar um simples comprimido, podem estar a ingerir gelatina de origem animal – há medicamentos que apresentam gelatina na sua composição, nas cápsulas ou como agente aglutinante. “É uma forma de o comprimido ser mais facilmente digerido”, diz Cláudio Rodrigues. Também o líquido presente nas latas de conserva pode conter gelatina de origem animal. “Até as salsichas de soja podem estar conservadas nesse líquido.” O nutricionista alerta ainda para o facto de as gelatinas light mais comuns serem de origem animal.
Entre aditivos e vitaminas
Apesar de um vegetariano procurar ingerir alimentos que estejam o mais próximo possível da natureza, ou seja, alimentos não processados, a verdade é que “pode querer adicionar alguma variedade e deparar-se com ingredientes de conservação simples, mas que têm origem animal”, afirma Filipa Vicente, nutricionista na Clínica das Conchas, em Lisboa.
É preciso ter atenção redobrada relativamente aos famosos “E”. “Os aditivos do E-100 até ao E-180 correspondem a corantes que são, muitas vezes, de origem animal”, sublinha, por seu lado, Cláudio Rodrigues.
Os aditivos não são o único problema. A maior parte das vitaminas do complexo B, a vitamina A e a vitamina D (normalmente, a D3 é de origem animal, enquanto a D2 é de origem vegetal) existem no reino animal, de modo que um vegetariano tem de excluir todos os alimentos que as contenham. Normalmente, estas vitaminas são adicionadas a alimentos extremamente refinados e processados, como os cereais de pequeno-almoço, bolachas, tostas ou pães de longa duração. “Estes alimentos não devem ser, de todo, a base da alimentação das pessoas”, aconselha Filipa Vicente. “Os cereais no seu estado natural são de longe melhor opção do que aqueles cheios de cores e sabores, com formas variadas e que se misturam bem com bebida vegetal ou “yofu” (iogurte à base de soja). Procure antes uns bons flocos de aveia ou uma granola caseira, e fica de longe melhor servido”, remata.
Há ainda outro pormenor a ter em conta: quando, na lista de ingredientes de um alimento, surgir o termo “aroma natural”, se não especificar que é de origem vegetal, é muito provável que seja de origem animal.
Nem a cerveja escapa
Sabe-se que os ácidos gordos ómega 3 têm inúmeros benefícios para a saúde, mas é importante que os vegetarianos saibam que a sua fonte primária são os óleos de peixe. “Podem existir alguns que são provenientes de óleos de noz ou outras oleaginosas, mas por isso mesmo deve ser discriminada a fonte”, afirma Filipa Vicente.
E até para se beber tem de se ter cuidado. Isto porque ainda há muitas cervejas que têm ingredientes de origem animal. Na produção de cervejas artesanais, os processos de filtragem podem ser feitos com produtos que derivam das bexigas natatórias dos peixes, dos caranguejos ou com gelatina animal. Estes produtos clareiam a cerveja e impedem que ela fique com uma consistência leitosa.
Também há vegetarianos que não excluem da sua alimentação leite e derivados, e ovos. Os ovolactovegetarianos alargam as suas possibilidades e comem de forma mais variada, mas a probabilidade de ingerirem alimentos de origem animal também aumenta. Um exemplo disso são os queijos DOC (denominação de origem controlada), como o parmesão. A generalidade destes queijos é feita com coalho, uma enzima que separa o soro da gordura. Este coalho é retirado do estômago de novilhos. “Os indivíduos ovolactovegetarianos nem sempre têm consciência disto”, garante Cláudio Rodrigues.
Também o açúcar de cana que se utiliza diariamente sofre um processo de refinação que pode incluir a passagem por uma espécie de carvão feito à base de ossos de animais.
Fruta com carne
Sabe aquela maçã linda e brilhante que sorri para si no supermercado? Os vegetarianos devem ter cuidado com ela. Muitas vezes, a fruta tem uma cera adicionada no seu exterior propositadamente para a proteger dos insetos. “Essa cera pode ser de origem animal, feita à base de um inseto, mais comum no oriente”, refere Cláudio Rodrigues. Daí também a importância de se lavar muito bem toda a fruta que se come.
Mas então os vegetarianos podem comer sem preocupações alimentos naturais e biológicos? A resposta é não. O facto de um produto ser rotulado como natural ou biológico não significa que não tenha ingredientes de origem animal.
Neste momento, ser vegetariano é estar sempre alerta. É uma luta constante. Aliás, é uma luta constante para todos os consumidores. “Uma coisa é certa: ler atentamente os ingredientes de um produto é algo que deveria ser feito por todos, vegetarianos ou não. Devemos conhecer o que ingerimos”, conclui Ana Bravo.
Aditivos muito comuns em alimentos que são de origem animal:
– Glicerina, que é produzida a partir de gordura animal
– Leciticina, também conhecida por E-322; se não for encontrada a menção de leciticina de soja pode ser de origem animal (ovo)
– Lisozima ou E-1105, um agente antibacteriano muito utilizado, retirado do ovo
– Cochonilha ou ácido carmínico, também conhecido por E-120, um aditivo corante pigmento vermelho extraído da fêmea de um insecto, podendo ser utilizado em bolachas com sabor a morango e em alguns gelados
– Cera de abelha ou E-901
– Albumina
– Gelatina (E-441)
– Glicina (E-640)
– Lanolina (E-913)
– Cisteína e cistina (E-920 e E-921)
– Lactitol (E-966)
– Ácido cólico (E-1000)
(Artigo escrito por Sara Borges dos Santos)