Chamam-lhes alcoólicos funcionais porque conseguem manter, apesar da dependência do álcool, “uma vida normal”. Nada os associa à imagem clássica de um embriagado crónico, que tem os quotidianos desfeitos e bebe de manhã à noite. Segundo refere Ana Pinto Coelho, formada em Counselling Psychology, na Universidade de Oxford, especialista em aconselhamento nos comportamentos aditivos e nas dependências na empresa Safe Place, “pode-se encontrar um alcoólico funcional em todo o lado, seja ele um cirurgião, um professor, advogado, funcionário de repartição pública, comerciante, a pessoa ao lado. É um alcoólico mesmo que tenha toda a vida preenchida, mantenha o seu trabalho, ganhe o seu ordenado, tenha casa, família, amizades e laços sociais”.
Pode até, afirma, ser uma pessoa de sucesso, “dando a entender a todos que é responsável e produtivo, porque trabalho todos os dias e muito”. A primeira tendência daqueles que estão ao seu lado é ignorar o facto dela beber, parece que tal não a afeta… Mas depois começam a surgir os pequenos indícios. A conselheira lembra o caso típico do cirurgião a quem tremem os dedos… Só que se alguém resolve confrontá-lo com a suspeita, a resposta é quase sempre a mesma: “trabalho, ganho o meu dinheiro, tenho muitos amigos, portanto não sou um alcoólico”. Claro que, continua Ana Pinto Coelho, “isto não é verdade e, mais cedo ou mais tarde, as coisas vão acabar por descambar. É uma questão de tempo. E este tempo não é igual para todos”. Com os anos, as manifestações vão acontecer, cada vez mais regularmente, e as dúvidas passam a certezas. Mesmo assim, garante, é muito raro que se assuma a situação e se procure ajuda: “Existe vergonha, medo e uma enorme capacidade de ‘encaixe’ que se vai traduzir em justificações, minimizações, comparações com a figura do alcoólico clássico e portanto, negação. Tudo isto são mecanismos de defesa comuns”.
Trata-se, afirma, de pessoas doentes, logo “a adição fala por elas”: “são manipuladores natos, que mentem, omitem, justificam e zangam-se quando confrontados com esta realidade”. Não reconhecem o seu estado. Nem elas nem as pessoas que com elas trabalham ou, mesmo, vivem. A própria família, ou os amigos, “tendem a encontrar justificações e desculpas para não enfrentar o problema de frente” .Ana Pinto Coelho aponta o dedo à falta de informação pública. É uma situação mais comum do que se imagina, trata-se de um tema urgente a ser debatido, diz, quanto mais não seja para haver uma maior consciencialização e, portanto, capacidade para actuar quando necessário, “sem medo e sem a habitual minimização do problema”.
Ao ser um problema camuflado, encontram-se em situações de risco famílias inteiras. E, geralmente, só quando acontece um acidente grave é que as pessoas resolvem começar a pedir ajuda profissional. “É muito importante escolher quem sabe e seguir o aconselhamento o melhor possível. Afinal o alcoolismo é uma adcção. É uma doença. Pode não ter cura (porque não tem), mas pode-se viver em recuperação e feliz toda uma (nova) vida!”
10 sinais de alerta que ajudam a identificar um alcoólico funcional (segundo Ana Pinto Coelho)
1- O alcoólico funcional bebe em vez de comer.
2- Acorda sem ressaca, já que a sua tolerância é maior do que a dos bebedores ocasionais.
3- Se não beber, vai apresentar sinais de nervosismo, irritação, má disposição e até agressividade. Pode apresentar sinais como suores, tremor nas mãos…
4- Não consegue beber só uma ou duas bebidas, vai querer sempre mais. Se for preciso, e usando alguma piada, acaba os copos dos amigos. Mas nenhum álcool ficará no fundo da garrafa.
5- Os períodos de perda de memória tornam-se cada vez mais frequentes. É comum não se lembrar do que fez no dia anterior e arrepender-se de algumas coisas quando confrontados com atitudes, conversas ou promessas. Podem ocorrer desmaios ou blackouts.
6- Sempre que alguém puxa o assunto, procurando conversar sobre a forma como está a beber, ou simplesmente, mostrar preocupação, vai ter uma resposta de negação, justificação ou até de agressão.
7- O alcoólico funcional tem sempre uma boa explicação. Ou desculpa para beber. Porque correu bem o dia e está a festejar, porque correu mal e está a relaxar. Ou, simplesmente, porque sim.
8- Esconder o álcool. Seja no carro, seja em casa, seja na gaveta da mesa do escritório, seja na mala ou no casaco.
9- Os padrões de comportamento mudam significativamente quando está a beber. Fica imediatamente mais bem-disposto e abre-se à conversa, mas rapidamente, com o avançar do consumo, as alterações passam a ser outras. Pode passar da euforia à tristeza ou choro, da aparente normalidade à violência.
10- O alcoólico funcional preocupa os que gostam dele e nega-lhes sempre o seu problema.