Após um ano e meio de julgamento, o empresário Vítor Santos, tido como dono de uma das maiores fortunas portuguesas, foi esta quinta-feira, 17, condenado, no Campus da Justiça, em Lisboa, a dois anos e nove meses de prisão, com pena suspensa, pelo não pagamento de €3,7 milhões devidos em impostos. Em causa estava (e está) uma dívida fiscal num total de €9,4 milhões (a que acrescem juros de mora e compensatórios, além de custas executivas) que a Autoridade Tributária (AT) atribui a Vítor Santos, 71 anos, conhecido como Bibi (alcunha adquirida num meio pobre do bairro lisboeta de Alcântara) do Benfica (a sua paixão pelo clube é assolapada).
O Ministério Público (MP) acompanhou a argumentação da AT, segundo a qual Vítor Santos ocultou rendimentos de negócios e operações financeiras que valem aquele volume de impostos não pagos, e acusou-o de fraude fiscal continuada. Mas a tese não vingou em tribunal. A juíza que proferiu a sentença (o processo foi julgado em tribunal singular) sublinhou as diferenças entre um julgamento criminal (o caso presente) e um tributário, para explicar que o primeiro impõe a produção de provas mais sólidas, e que esse ónus cabe a quem acusa.
Doze volumes acondicionaram documentos reunidos pela AT relativos a aplicações de capital, adiantamentos por conta de lucros e rendimentos que alegadamente Vítor Santos ocultou, para evitar a liquidação dos respetivos impostos. A juíza, porém, concluiu que apenas foi produzida prova suficiente para apontar ao empresário a instrumentalização de três das suas firmas, que lhe fizeram pagamentos sem justificação, rendimentos ocultados por Bibi.
Por isso, não o condenou por fraude fiscal continuada, mas só por um crime de fraude fiscal, cometido em 2003. A magistrada comentaria que, pelo enquadramento penal hoje em vigor, bem mais severo, Vítor Santos incorria em fraude fiscal qualificada, punida com cadeia de dois a oito anos. De seguida, a juíza sentenciou a condenação a dois anos e nove meses de prisão, com pena suspensa. Mas a suspensão da pena fica condicionada ao pagamento, pelo arguido, de €60 mil, em duas tranches de €30 mil em cada ano. O tribunal entregará essas verbas ao Fisco. Tanto o MP como a defesa de Vítor Santos ainda ponderam se recorrem da sentença.
Desde o início da publicitação da lista negra do Fisco, em 2006, que Vítor Santos figura no patamar mais grave – o das dívidas superiores a €1 milhão. É certo, pois, que nos tribunais administrativos e fiscais continuará a eterna guerra entre Bibi e a AT, com sucessivas execuções e impugnações.
RENDA DA JUSTIÇA SOB INVESTIGAÇÃO
Em novembro último, enquanto decorria o julgamento no Campus da Justiça, a PJ fez buscas em empresas de Bibi. Essas diligências estão relacionadas com um inquérito-crime, a cargo do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP), do MP, que averigua suspeitas de corrupção e tráfico de influência no arrendamento, pelo Ministério da Justiça, de um edifício na Amadora, para instalar o tribunal da Comarca da Grande Lisboa Noroeste.
O assunto saltou para a ribalta mediática quando a VISÃO, em 13 de novembro de 2008, noticiou que o Ministério da Justiça, então tutelado pelo socialista Alberto Costa, se preparava para acomodar esse tribunal num edifício de €2,3 milhões que Vítor Santos tinha há quatro anos encalhado em Alfragide, na Amadora, município de que à época era presidente Joaquim Raposo, hoje deputado do PS.
O Estado ia, pois, negociar com um empresário que estava (e está) há anos no nível mais grave da lista negra do Fisco. Rebentou a controvérsia, e o ministro Alberto Costa cancelou o contrato. Mas o imbróglio depressa se resolveu: Bibi saiu de 1.º gerente da Euroalfragide (firma dona do prédio em questão), que ficou entregue aos seus dois filhos, José e Artur, com folha limpa na AT; Joaquim Raposo não via, no concelho, edifício melhor para o efeito; e o contrato foi retomado, com o Ministério da Justiça a pagar uma renda de €44 mil mensais até 2019.
Ver-se-á a que resultados chegará o escrutínio do inquérito-crime que o DIAP tem em curso.
‘NÃO PAGO IRS’
O caso que deu origem ao julgamento no Campus da Justiça, no qual Vítor Santos foi agora condenado, é insólito. No verão de 2001, Bibi concedeu uma desconcertante entrevista à revista masculina Maxime, que causou enorme polémica. Assumia que tinha financiado a campanha de Manuel Vilarinho à presidência do Benfica, e até comprou do seu bolso um craque para a Luz – o brasileiro Roger. Mas depois dizia que ganhava o salário mínimo e que, por isso, não apresentava declarações de IRS. De seguida, já admitia ter dez milhões de ações da Sonae e “muita coisa, muita coisa mesmo”.
A controvérsia foi tal que o à época ministro das Finanças, Guilherme d’Oliveira Martins (ex-presidente do Tribunal de Contas), ordenou uma megainspeção fiscal àquele contribuinte. Seria desta operação que resultariam os 12 volumes de documentos recolhidos pelo Fisco contra Vítor Santos. E que contra ele continuam a ser arremessados nos tribunais.
Foi nos anos 1980 que Vítor Santos emergiu na construção civil, num tempo em que mantinha relações privilegiadas com Ferreira Neto, na altura presidente do Crédito Predial Português, então ainda na órbita estatal. Depois, Bibi edificaria urbanizações gigantes, como a da Quinta Grande, na Amadora, e a do Infantado, em Loures. A partir daí, estenderia os seus interesses ao imobiliário, turismo, restauração e à banca. E não tem pruridos em dizer, seja a quem for, que é um self-made-man com a 4.ª classe.