O melhor que se pode dizer do livro do sueco Carl-Johan Forssen Ehrlin é que dá sono. Foi mesmo essa a intenção do autor de livros de autoajuda, quando numa viagem de carro, e em apenas uns minutos, imaginou toda a trama do livro infantil que agora chega a Portugal, pela editora Lua de Papel, O Coelho que Queria Dormir (26 pg., €8,9). Psicólogo de formação e coach, Carl-Johan teve um momento de inspiração que se tornou num sucesso editorial sem precedentes. A fúria criativa foi tal que teve de pedir à mãe, no banco do pendura, que tomasse nota de tudo num guardanapo, o único papel disponível.
A seguir veio um trabalho de teste e afinação. À VISÃO, Carl-Johan conta que experimentou ler o livro em duas creches e ainda aos filhos dos amigos. Quando teve a certeza de que o feitiço resultava, ou seja, que os miúdos não chegavam acordados ao fim da história, avançou para uma edição de autor na Amazon. E assim, num abrir e fechar de olhos, chegou ao topo das vendas online em vários países: Reino Unido, América, França e Espanha, somando mais de um milhão de livros vendidos, sendo o primeiro autopublicado a chegar ao primeiro lugar da tabela.
Chega a parecer ridículo pensar que uma das obras mais desejadas na Feira do Livro de Frankfurt deste ano se conta em 26 páginas e gira à volta de um coelho que não quer adormecer. Muitas repetições – palavras da família do verbo dormir aparecem mais de 80 vezes – bocejos e muito pouca ação é a estratégia usada, que funcionarão em qualquer língua, acredita o autor. ‘‘Tratam-se de técnicas de psicologia e comunicação muito simples, que devem funcionar em qualquer cultura’’, explica. No final da história do coelho Rogério – ou, com sorte, ainda antes –, as crianças estarão a dormir o sono dos justos, sem refilar. ‘‘Recebi milhares de emails, de pais a agradecerem-me pelo livro, que lhes mudou a vida. Há relatos de pessoas que passavam todas as noites cinco horas para adormecer as crianças e agora não demoram mais do que 12 minutos,’’ revela. Na internet, as opiniões divergem. Tanto há comentários de pais outrora desesperados e que agora vivem em perfeita harmonia com a hora de ir para a cama, como surgem progenitores desiludidos com mais uma tentativa falhada.
Não é uma panaceia
Para Mário Cordeiro, pediatra e autor do livro Dormir tranquilo, o livro, do qual já tinha uma cópia há algum tempo, não se trata de uma panaceia. ‘‘Vivemos numa sociedade em que se desejam resolver problemas complexos com uma solução mágica. Como temos quase tudo ao alcance, designadamente informação, comunicação, contactos, pensamos que para os problemas do ser humano, designadamente os que tocam em sentimentos e sensações de perigo ou segurança, bastará carregar numa tecla. Não é assim,’’ sublinha o médico. Mas afinal porque há tantos pais rendidos à magia do coelhinho? Na página de Facebook dedicada ao livro, a descrição passa pelas palavras ‘‘hipnótico e soporífero’’. Mário Cordeiro tem uma explicação mais simples: ‘‘Tudo o que é monótono, rotineiro, repetitivo, suave, sem sobressaltos, rítmico e cadenciado, faz adormecer. O velho “ó-ó bebé” e o embalar são provas disso. A voz do pai ou da mãe, calma e tranquila, a ler a história, ajuda a garantir que “tudo vai bem no Reino”. A própria história, ao ser repetitiva, induz nos pais a calma necessária para que transmitam aos filhos a sensação de paz e de segurança’’, explica o pediatra. Convém é que tanta repetição e monotonia não traga mais irritação do que calma. Animado pelo sucesso – está já traduzido em 40 países –, o psicólogo sueco já pensa noutra obra de literatura infantil. Desta vez, o alvo será o reforço da autoestima. Era bom se todos as dúvidas existenciais que envolvem criar um filho se resolvessem com uma história para adormecer.