De uma assentada, entram na sala do hotel alguns dos melhores surfistas do mundo. Alinhados, com os seus bonés (caps) na cabeça, sentam-se em amena cavaqueira: Owen Wright, C.J. Hobgood, Gabriel Medina, Mick Fanning, Adriano de Souza e, entre eles, os portugueses Tiago Pires (Saca), Frederico Morais e Vasco Ribeiro. Elogios e agradecimentos à parte, todos prometem dar o seu melhor nos Supertubos de Peniche onde, até 31 de outubro, decorre o Moche Rip Curl Pro Portugal, a décima e penúltima etapa do circuito mundial de surf. Estes atletas são em tudo comparáveis a estrelas de cinema, com a agenda cheia… e o tempo contado ao segundo.
Dos nove primeiros do ranking mundial, apenas o líder, o australiano Mick Fanning, tem a vida facilitada: poderá tornar-se tetracampeão no Atlântico português, depois dos títulos conquistados em 2007, 2009 e 2013. Todos os outros dependem de muitas variáveis. Para Steve Shearer, jornalista australiano especializado em surf, em entrevista ao Diário de Notícias, “Mick continua no camarote. Não sente pressão nenhuma e vai estar lá no final.” Com 49 900 pontos, Fanning precisa de vencer a prova e esperar que o seu rival, o brasileiro Adriano de Souza, em segundo lugar, não passe da terceira ronda. Mas Fanning desvaloriza, com uma gargalhada: “Ainda não fiz as contas.” Este é o sétimo ano consecutivo que Peniche recebe a elite mundial do surf. Pela primeira vez, a prova tem três portugueses em competição: Tiago Pires (o único sete vezes entre os 32 melhores do mundo), Frederico Morais (campeão nacional) e Vasco Ribeiro (campeão mundial de juniores). Todos convidados pela organização depois de quatro desistências: Taj Burrow foi pai, Fred Patacchia anunciou a sua retirada e Jordy Smith e Matt Banting ficaram lesionados. Não é preciso gostar ou perceber de surf para saber quem é Mick Fanning. Muitos reconhecem o seu nome desde as notícias de um ataque falhado de tubarão-branco, em julho passado, em Jeffrey Bay, na África do Sul. Foi a primeira vez, em 39 anos de circuito mundial, que um surfista foi atacado por um tubarão. Competitivo e focado, Fanning não desistiu após o incidente, que apenas lhe destruiu a leash (corda que une a prancha ao pé do surfista). Duas semanas depois voltou à água, na Austrália, acompanhado por uma equipa de televisão do programa norte-americano 60 Minutos, e cruzou-se com outro tubarão… Passados quatro meses reconhece que já ultrapassou o trauma, mas continua a olhar por cima do ombro. “É daquelas coisas que acontecem. Esse episódio vai viver comigo durante muito tempo. Foi uma experiência louca e só me posso considerar um tipo cheio de sorte. Tento que isso não me deite abaixo”, explica o australiano à VISÃO.
Michael Eugene Fanning nasceu há 34 anos longe da praia, em Penrith, na Nova Gales do Sul. Aprendeu a surfar aos cinco anos, mas só aos 12, quando se mudou com a mãe e os irmãos para Tweed Heads, começou a surfar com regularidade ao lado de Joel Parkinson e Dean Morrison os três ficariam conhecidos como os Coolangatta Kids. Aos 15 anos decidiu apostar na carreira internacional mas, um ano mais tarde, esteve quase a desistir. O seu irmão mais velho morreu num acidente de automóvel e Fanning, depois de ter dado a notícia à família, fechou-se quatro dias no quarto.
Conhecido pela velocidade dentro de água, que lhe valeu o cognome Relâmpago Branco (White Lightning), ganhou coragem para voltar às ondas e venceu provas em oito países diferentes no circuito mundial. Obstinado, para ele o surf tanto tem de competição como de estilo de vida. “Somos uma espécie de família e isso é o lado do lifestyle, mas quando estamos em cima da prancha num heat é o jogo que se sobrepõe.” Questionado sobre o facto de Kelly Slater (11 vezes campeão do mundo) já ter 42 anos, e se isso o faz pensar quantos anos poderá durar a sua carreira, o australiano diz não pensar muito no assunto. “Somos todos diferentes.
Sinto-me como se tivesse 21 anos. Há tantas coisas boas que quero experimentar… não pensei ainda quanto tempo mais vou ficar no tour.” Atento aos seus pares, aponta como próximos rockies os brasileiros Ítalo Ferreira e Wiggolly Dantas, graças à boa primeira temporada que estão a fazer.
Apesar de Portugal ter uma curta história no mundo do surf, somos o País que tem mais etapas no campeonato mundial.
Fanning não tem dúvidas: estamos no bom caminho. “Quando vim cá pela primeira vez, só tinham o Tiago Pires no circuito.
A modalidade está a crescer tão depressa, é fantástico de ver.” Os fãs adoram-no como se de uma estrela de rock se tratasse, mas o surfista tem consciência de como isso é efémero. “Não faço surf para ter fãs, faço-o pela paixão.
Não chego a casa e fico devastado se vejo apenas dez posts sobre mim.”