São nove e meia de uma noite estrelada e mal alumiada por um fiozinho de Lua. Num descampado junto à Lagoa Azul, um reservatório da Serra de Sintra, vão-se acumulando os carros. Finalmente, com 20 minutos de atraso, chega Maria João Martinho, 51 anos, da serra de Sintra Tours, que se prepara para guiar mais de 30 caminhantes por um labirinto de caminhos de terra e, aparentemente, extraterrenos. Sete quilómetros e quatro horas depois, teremos vasta informação sobre o alcance da imaginação humana.
A primeira paragem acontece ao fim de cinco minutos, na outra margem da Lagoa Azul, para mostrar o local onde foi gravada uma curta-metragem (4m59s, incluindo os créditos) sobre extraterrestres. Segue-se meia hora de caminhada e nova paragem numa clareira do bosque. “Há vários tipos de explicação para ovnis [objetos voadores não identificados]”, começa Maria João Martinho. “Há autores que defendem que são naves avançadas desenvolvidas por seres humanos, feitas de forma secreta, ou pelos EUA. Há uma teoria que acredita que são construídas por extraterrestres. Outros acreditam que as naves vêm do futuro. Há a teoria psicossocial, de hipnose coletiva.
E há uma que defende que as naves vêm do interior da Terra, dos mundos intraterrenos.” Em nenhum momento Maria João se engasga a rir com as suas palavras. O público que a ouve mantém-se atento e com ar de quem está a dar por bem gastos os 7,5 euros que o passeio custou por cabeça.
O silêncio é subitamente interrompido por alguns oh! no momento em que surgem umas minúsculas luzes voadoras à volta do grupo. Durante alguns segundos, toda a gente vê ovnis, até estes se transformarem em ivis insetos voadores identificados. Há quem lhes chame pirilampos.
Tal como os ovnis, também os pirilampos são coisa que não se vê todos os dias, pelo que o grupo recomeça a caminhada mais animado e falador (das mais de 300 pessoas que já participaram nestes passeios temáticos desde o início do ano, nem uma saiu insatisfeita, garante a guia turística, antes de confessar que uma parte considerável dos clientes é apenas amante de andar a pé).
Nova paragem casual, nova dissertação sobre ideias alternativas. “A teoria da Terra oca vem da teosofista Helena Blavatsky [uma charlatã russa do século XIX autoproclamada vidente, acrescente-se], que defende que existem mundos intraterrenos, com entradas nos polos. Também o piloto Richard Byrd conta [num pretenso diário convenientemente desaparecido] que sobrevoou o Polo Norte, fez uma viagem ao interior da Terra e encontrou um mundo em que as pessoas são mais evoluídas. É interessante que as pessoas que lá estiveram desapareçam quando vêm para expor a teoria, como aconteceu com Philippe Cousteau, que teve uma morte estranha num hidroavião no Tejo em 1979, um dia antes de dar uma conferência sobre o tema.” Os conspiradores secretos trabalharam arduamente para fazer despontar o banco de areia que provocou o acidente mortal do filho de Jacques-Yves Cousteau, durante uma amaragem junto a Alverca.
Os extraterrestres da Abrunheira
Uns quilómetros à frente, é hora de Maria João falar das aparições propriamente ditas.
“Aqui em Sintra, uma serra mágica e especial, diz-se que há uma entrada para os mundos intraterrenos e para outras dimensões. A Sociedade Portuguesa de Ovnilogia fez vários estudos e tem casos em que foram observados objetos de forma charutoide [sinónimo cómico de “em forma de charuto”], sempre em redor da serra. Não sei se por ser um monte sagrado, mas na serra há poucas histórias de avistamento. À volta há vários: Abrunheira, Mem Martins, Meleças, IC19…” Como?! Os extraterrestres têm na serra de Sintra um lugar com mística à sua altura e preferem a… Abrunheira? Mem Martins? Meleças? O IC19? Se é lá que eles aparecem, o que estamos a fazer na floresta a esta hora da madrugada? E porque é que os habitantes do centro da Terra precisam de naves? Escavadoras não são mais úteis para as profundezas? Adiante. “Não sei se se recordam do fenómeno de Fátima, em 1917: muitas vezes é estudado como fenómeno ovniológico. Aliás, as descrições iniciais nem sequer se referem à virgem, mas sim a uma senhora de saia curta.
Depois a Igreja alterou algumas coisas. Houve também um ruído forte a acompanhar o fenómeno do Sol a dançar, que podia ser dos motores das naves.” Mas o que tem isso a ver com a serra de Sintra? “Aconteceu num local semelhante ao terreno que estamos agora a pisar, numa cova, com água e, como veem, à nossa frente passa um ribeiro, grutas e azinheiras.” Ah!.
As pernas começam a dar de si. Mas saber que o fim está próximo (salvo seja) é o melhor dos bálsamos. Derradeira paragem.
“Estamos agora no Monte Refilão.
Pessoas sensitivas ou que acreditam no fenómeno dos ovnis contam que existe uma base de ovnis aqui por baixo, na quinta dimensão.” Ninguém pestaneja toda a gente se mantém inexpressiva. Esta teoria, admita-se, não faz menos sentido do que as anteriores.
Os osnis
O Monte Refilão/base de ovnis é o local ideal para se explicar os cinco graus de contacto com extraterrestres, intraterrestres e virgens. “O primeiro é quando a distância é grande; noutro, já se percebem os pormenores da nave; noutro ainda, sente-se a energia emanada pelas naves; pode ver-se o tripulante; e depois temos o contacto telepático: por exemplo, no fenómeno da virgem, a senhora falava sempre com os lábios fechados.” Quem não ficou de lábios fechados, segundo Maria João Martinho, foi Luís Aparício, da Associação de Pesquisa Ovni. “Em 1996, ele e outras pessoas estavam de vigília no cabo da Roca, que é um local especial, e viram uma luz branca a sair do mar e a emanar uma energia intensa, a uns quilómetros da costa. Outras pessoas avistaram no Guincho uma cidade a sair de baixo de água.
Quem estuda estes fenómenos diz que há ali uma base de osnis objetos submarinos não identificados.” A guia passa agora para a descrição pormenorizada das espécies de extraterrestres que nos costumam visitar (por coincidência, são as mesmas que visitam filmes e séries de ficção científica). “Há os grey, que são mais ou menos transparentes, acinzentados, altos, de braços compridos e sem pelos.” Tal como visto nos Ficheiros Secretos, Dia da Independência e Guerra dos Mundos. “Existem os reptilianos, parecidos com os lagartos.” V A Batalha Final. “Há os loiros, parecidos com os povos nórdicos.” Thor. “Há os gafanhotos, parecidos com insetos em ponto grande.” Era Uma Vez… o Espaço.
“Em relação aos reptilianos”, continua, “é curioso que aqui na costa de Sintra se falasse, no passado, nos tritões, que eram metade homem metade peixe. Será que eram reptilianos? Não sabemos.” Também é curioso que o cruzamento de um homem com um peixe resulte num réptil, sabendo nós que uma mulher com um peixe dá uma sereia.
Os reptilianos são precisamente os mais ambientados ao nosso planeta, acrescenta a guia. “Há quem diga que são uma raça antepassada da Terra mas também de origem extraterrestre e que há muitos entre nós, a tentar tomar o poder do mundo, como defende o autor David Icke. Entre eles, estarão a Rainha de Inglaterra e Obama.” O referido autor é um inglês de 62 anos que acredita ter sido posto na Terra com a dupla missão de abrir os olhos à Humanidade e jogar futebol em clubes secundários (representou o Coventry City e o Hereford United entre o final dos anos 60 e o início dos 70).
Já passa da uma e meia da manhã. As últimas centenas de metros são percorridas com a triste certeza de que aquelas quatro horas de vida estão perdidas para sempre.