Maio é o mês do coração – iniciativa que pretende sensibilizar os portugueses para as doenças cardiovasculares, um dos maiores problemas de saúde pública em Portugal. Mas não só. Em 31 dias, 30 celebram uma causa qualquer. Ao longo do ano, somam-se mais de 350, com honras de efeméride no País e no mundo, um calendário riquíssimo em comemorações. Há uns anos, a maioria destes dias era de origem religiosa. Agora, é um imenso santuário laico. E os números, sempre as estatísticas, lá estão como bandeiras de alerta, mostrando que é preciso chamar a atenção para problemas que são de todos.
Há dias para tudo. Há o dia do Orgasmo (31 de julho), que foi lançado por uma loja de artigos eróticos mas tem sido aproveitado para campanhas de educação sexual. E o do OVNI, a 24 de junho. Há o Dia do Ovo (12 de outubro) e o do Sorriso (28 de abril).
Há também dias que são pequenos para tantos eventos. A 21 de março, por exemplo, assinala-se a Poesia, a Eliminação da Discriminação Racial, a Floresta, o Sono, a Marioneta, a Síndrome de Down e a Árvore. Os amigos da ecologia também celebram que se fartam: 2 de fevereiro é Dia do Vigilante da Natureza, tal como das Zonas Húmidas, 14 de março é Dia Internacional de Luta contra as Barragens e 24 de abril celebra mundialmente o Animal de Laboratório.
O mais insólito? Há o Dia Nacional do Multimédia, a 26 de junho. e o Dia da Desburocratização, a 27 de outubro. Mas, provavelmente, o primeiro lugar nesse ranking pertence ao Dia Internacional da Ratazana Doméstica – o World Rat Day – a 4 de abril. Dizem os seus defensores: As ratazanas domésticas são “animais de estimação maravilhoso. São muito inteligentes e, ao contrário de outros roedores, criam verdadeiros laços de amizade com o dono. Além disso, são animais limpos, que se lavam como gatos e que podem ser ensinados a fazer as necessidades em sítio próprio”. Foi eleita ainda, pelo Discovery Channel, como o 10.º animal mais inteligente, por ser capaz de contornar desafios montados por cientistas.
História interminável?
A ideia de criar datas deste género surgiu em 1950, quando as Nações Unidas decidiram dedicar um dia à causa da defesa dos Direitos Humanos. Desde então, a própria ONU foi, ao longo do tempo, acrescentando efemérides ao calendário. No ano passado, foi a vez da Felicidade (a 20 de março), uma ideia lançada pelo Butão e pelo seu conceito de Felicidade Nacional Bruta, por oposição ao conceito de Produto Interno Bruto, como medidor do bem-estar das populações. O calendário das Nações Unidas inclui um total de 120 dias mundiais dedicados a temas tão diversos como as mulheres rurais (15 de outubro) ou o jazz (30 de abril). Ah, e há também um Dia da ONU, assinalado a 24 de outubro.
“As datas comemorativas da ONU contribuem para a realização dos objetivos da Carta das Nações Unidas e promovem a consciencialização e ação sobre questões importantes relacionadas com direitos políticos, sociais, culturais, humanitários ou humanos”, justifica o gabinete de Portugal junto daquela organização, lembrando que a maioria das datas foi estabelecida pela Assembleia Geral das Nações Unidas e só algumas por agências especializadas da organização.
A lista é interminável – há sempre propostas em cima da mesa – e o nosso país não escapa ao frenesim. Em Portugal, qualquer cidadão pode tentar a sorte e criar um Dia Nacional: basta lançar uma petição e angariar, pelo menos, mil assinaturas para a proposta ser analisada por uma comissão parlamentar. Um requerimento com mais de 4 mil nomes sobe automaticamente a plenário. Segundo a assessora da Assembleia, já chegaram aos deputados as peti ções mais díspares, sugerindo a criação de dias como o do Cão, da Fruta ou da Vida ao Ar Livre. Foi assim que nasceu, por exemplo, o Dia dos Avós. “Os dias nacionais têm sido criados de forma heterogénea, pois não existe legislação que especifique uma forma ou requisitos para a sua criação”, explica, adiantando que as mais diversas instituições se associam estas iniciativas. Em fase de análise, estão os processos referentes ao Dia de Consciencialização para a Alienação Parental, o Dia do Aneurisma da Aorta Abdominal e ainda o Dia Nacional do Sargento.
Perante isto, a dúvida instala-se: será que estas comemorações têm alguma repercussão ou são apenas marketing? Será que, com este tipo de visibilidade, é mesmo possível arrancar compromissos à sociedade? Quantas pessoas se lembram quando é o Dia Mundial da Alimentação (16 de outubro) ou o Dia Internacional da Alfabetização (8 de setembro)? Terá esta agenda imposta, ainda por cima nem sempre pelas melhores razões, alguma utilidade?
Oiçamos quem vive da comunicação de marcas – e para a comunicação dessas marcas. Miguel Ralha, diretor geral da agência de publicidade BAR, refuta essa leitura: “Penso que é importante a sociedade ter estes dias para lembrar assuntos que nos são queridos. Muitas vezes, são preocupações que estão no nosso subconsciente e que é preciso trazer à tona. Não diria que as marcas se aproveitam, antes que se associam e lembram ao consumidor o que também fazem nesse capítulo.” Tiago Viegas, da Brandia Central, empresa de consultoria e gestão de marcas, é mais condescendente. “Há uns que sim, outros que não”, reconhece, antes de lembrar outros aproveitamentos não tão malvistos pela sociedade: “Olhe o Natal! Quer melhor exemplo de um dia que é usado comercialmente? Não é por isso que deixa de ter o seu valor intrínseco. E o objetivo de Cristo não era certamente que todos gastassem muito dinheiro.” Voltemos ao calendário – e a maio, o mês com mais dias preenchidos, em todo o ano.
Artigo publicado na revista VISÃO de dia 2 de Maio de 2013