Hoje era para ser uma data histórica para a Comissão dos Direitos da Mulher, mas 12 de março acabou por ser um dia como os outros. A proposta de resolução visava, entre outras medidas, “banir todas as formas de pornografia nos media”, incluindo o acesso a conteúdos para adultos por via digital. O documento, representado pela eurodeputada holandesa Kartika Liotard, apelava à regulação e, em certa medida, à intervenção dos Estados, em termos legislativos.
O parlamento europeu (PE) acabou por recuar em três artigos da proposta, omitindo do texto a forma como iria banir o acesso a conteúdos de entretenimento adulto. Resultado: a resolução foi aprovada com mais de metade dos votos (em 625 votantes, 368 manifestaram-se a favor), mas sem recomendações concretas para eliminar os estereótipos de género.
Entretanto, a torrente de mails de protesto contra a abolição dos conteúdos XXX foi classificada pelos serviços do PE como spam, o que levou o eurodeputado Christian Engström, membro do Partido Pirata sueco, a condenar esta prática “antidemocrática” e a dirigir uma carta ao presidente do PE. Ao telefone, explicou à VISÃO porque entende que esta é uma boa notícia: “Embora não seja claro o que se segue, ficou de parte a ideia de ver os operadores de Internet convertidos numa ‘polícia porno’.” O Partido Pirata Português reiterou esta posição. Nas palavras do fundador, André Rosa, “além de tecnologicamente impossível (usando proxies, vpns e afins), abolir seja o que for iria obrigar os ISPŽs a espiar o que os clientes fazem, algo contra os princípios da liberdade e privacidade.”
Talvez noutro dia…
A presidente da subcomissão da Igualdade, Elza Pais, louva iniciativas deste tipo e admite que são esperadas resistências: “Há uma imprensa muito reivindicativa, mas tem de haver coragem para legislar nesta matéria, como aconteceu nos países nórdicos, mais exigentes nas questões da igualdade de género e direitos humanos.” É o caso da Islândia, que interditou os clubes de strip e a distribuição de conteúdos para adultos, via imprensa, preparando-se para estender esta regra ao acesso online, ainda este ano.
O eurodeputado Rui Tavares admite que o relatório é meritório – em especial no que concerne à intenção de acabar com a publicidade a turismo sexual e a mensagens que difundam a violência sobre as mulheres – mas lembra que é preciso cuidado para não cair nas armadilhas do passado [o que separa, por exemplo, erotismo da pornografia]. Sobre a agitação que envolveu a votação, Rui Tavares encara-a como fruto de uma singularidade cultural: “Os europeus hiper-reagem à pornografia, como os americanos, na questão das armas.”
Os artigos cortados
Fique a conhecer os artigos contestados pelos votantes do PE, relativos ao controlo e regulação do acesso a conteúdos porno nos media, publicidade e Net: (um deles, o 14º, viu o texto ser parcialmente cortado, e os 17º e 19º foram eliminados)
- 14º. Sublinha que uma política de eliminação dos estereótipos nos meios de comunicação social passa forçosamente por uma ação no campo digital; considera, a este respeito, que se afigura necessário lançar ações coordenadas a nível europeu no sentido de desenvolver uma verdadeira cultura de igualdade na Internet; convida a Comissão a elaborar, em parceria com as partes interessadas, uma Carta à qual todos os operadores da Internet sejam convidados a aderir
- 17º. Insta a UE e os seus Estados-Membros a darem um seguimento concreto à sua resolução de 16 de setembro de 1997 sobre a discriminação da mulher na publicidade, que solicitava a proibição de todas as formas de pornografia nos meios de comunicação social, assim como da publicidade ao turismo sexual ;
- 19º. Insta os Estados-Membros a criarem organismos de regulamentação independentes, com o objetivo de controlar os meios de comunicação e a indústria da publicidade e um mandato para impor sanções efetivas às empresas e indivíduos que promovam a sexualização de raparigas;