Nos últimos anos tem-se percebido que a formação de novos vasos sanguíneos é crucial no processo de cancro. Porquê?
Um tumor quando se forma é como se fosse um novo órgão. Para sobreviver, precisa de construir uma rede vascular à sua volta. Só que num tumor este processo é mais desorganizado e os novos vasos não conseguem cumprir muito bem a sua função. Há uma diferença entre a formação de vasos fisiológica e a patológica.
Há uns anos havia um grande entusiasmo em torno dos inibidores da angiogénese [substâncias que impedem a formação de novos vasos]. Que entretanto esmoreceu…
A ideia dos inibidores da angiogénese era muito promissora: fazer com que o tumor deixasse de poder alimentar-se, para morrer à fome. Os resultados em ratinhos foram espetaculares. Havia uma expectativa muito elevada, mas depois em pessoas os resultados não foram tão bons. Para funcionarem bem, os inibidores de angiogénese têm de ser administrados numa janela temporal muito específica. Quando começámos este trabalho, um dos objetivos era completar o estudo nesta área, descobrir a melhor forma de destruir a vasculatura do tumor. Mas o que acabámos por fazer foi o contrário: normalizámos os vasos sanguíneos do tumor.
O que parece um contrassenso!
Pois. Mas o que verificámos foi que, normalizados os vasos sanguíneos, conseguíamos aumentar os níveis de oxigénio e de nutrientes nas células tumorais. Com isso, conseguimos que se formassem menos metástases (aquilo que acaba por matar o doente) sem que houvesse qualquer alteração na taxa de crescimento.
Como?
No fundo, é uma questão evolutiva. Bem alimentado, oxigenado, o tumor não sente necessidade de migrar. “Se estou bem, para quê mudar?” Colonizar outros tecidos, onde antes não havia tumor, é um desafio. As células tumorais fazem isto porque vão em busca de oxigénio. Além disso, a normalização da rede vascular fez com que a estrutura se mantivesse mais unida, sem espaços livres. Formou-se uma barreira que impediu a passagem para a corrente sanguínea.
Ou seja, conseguiram impedir a formação de metástases por dois mecanismos diferentes?
Sim. E verificamos ainda outro efeito positivo. Os vasos tumorais normalizados também permitem transportar melhor a quimioterapia. Conseguimos bons resultados em termos de diminuição do tumor com baixas quantidades de medicamento – doses subterapêuticas. O fármaco usado é o mesmo, mas como aumentamos a sua eficácia não precisamos de doses tão elevadas. Logo, temos efeitos secundários mais reduzidos.
O que está na base de todos estes resultados positivos?
Controlamos a atividade de uma enzima, a PHD2, que é uma espécie de sensor de oxigénio. Esta enzima existe em todas as células do corpo e é responsável pela adaptação às variações na concentração de oxigénio. No nosso trabalho, em animais de laboratório, usámos a terapia genética para desativar a enzima. Foi uma tarefa muito trabalhosa. Nos últimos cinco anos, praticamente não tive férias.
Em pessoas, a abordagem será a mesma?
Há duas vias possíveis: a da terapia genética ou a farmacológica. Já há empresas farmacêuticas à procura de inibidores da PHD2.
Em que tumores testaram?
Fizemos, em ratinhos, para cancro do pulmão e melanoma. Dois dos mais terríveis. Tivemos resultados muito bons e em princípio a abordagem será válida para todos os tumores sólidos. Mas é preciso ter cautela. Ainda há muito trabalho a fazer.
A concretizar-se, este será um tratamento complementar à quimioterapia?
Atualmente, não há forma de contornar o tratamento habitual, que envolve cirurgia e quimioterapia. O grande desafio é conseguir melhorar a sua eficácia. Temos um bom arsenal terapêutico, mas somos limitados, em termos de dosagem, pelos efeitos secundários que a terapia provoca.
O que se seguirá?
Como há um estreito relacionamento entre a universidade e o hospital, estamos a tentar estabelecer um ensaio clínico. Gostava muito de ter uma relação mais estreita com a clínica.
Quem é Rodrigo Leite de Oliveira:
Tem 35 anos e estudou Farmácia no Porto. Começou a fazer investigação, na área da biologia do desenvolvimento, no 4.º ano da licenciatura. Especializou-se em genética molecular na Universidade do Minho e chegou a dar aulas aos cursos de enfermagem. O artigo publicado na revista Cancer Cell é o resultado de cinco anos de trabalho na Universidade de Lovaina, na Bélgica, sob orientação de Max Mazzone.