Os óculos, a camisola de lã, o discurso apressado, uma timidez mal disfarçada. João Pedro Correia, 39 anos, apresenta todos os atributos de um verdadeiro cromo. Logo aos primeiros minutos de conversa, é o próprio quem o confirma. “Era ‘muita’ totó”, diz, ao recordar a adolescência. Já nessa altura tinha a mania dos bichos e uma paixão assolapada por tubarões – “São animais fascinantes.” Na candidatura à Universidade, preencheu apenas uma opção: Biologia Marinha, o que irritou bastante os país. Entrou sem problemas e logo no 2.° ano começou a procurar lugares para estágio. Mandou cartas para tudo quanto era instituto – estávamos em 1992 e ainda não havia e-mail. Recebeu respostas “amorosas”, devidamente arquivadas e até hoje guardadas num dossiê. Decidiu-se pelas Bahamas. Durante seis meses, teve como função pescar tubarões-limão, bichinhos graciosos que atingem um metro e meio de comprimento, pôr-lhes um transmissor e devolvê-los à água. “É importante estudar os padrões de movimento destes animais”, afirma, como que a justificar a sua atração quase fatal. “Estamos a matá-los a todos e ninguém os defende, mas podem oferecer, através do estudo do seu forte sistema imunitário, a resposta para o tratamento de doenças como o cancro ou a sida.”
Já em Portugal, numa operação semelhante, chegou a ser mordido no indicador e levou nove pontos. “O barco parecia uma câmara de tortura”, conta, tal foi a quantidade de sangue derramado. O incidente não beliscou o seu fascínio – “Muitas pessoas atacadas por tubarões, como uma surfista australiana que ficou sem um braço, tornam-se nas suas principais defensoras.” Ele, João Correia, faz tudo o que pode para os proteger. No seu trabalho de investigação, desenvolvido no Instituto Politécnico de Leiria, tem estudado os hábitos destes animais, avaliando, por exemplo, a relação entre a perda de dentes e o aquecimento global.
Olho para o negócio
A par da investigação, João Correia colabora com o Oceanário de Lisboa desde os primórdios. A dada altura, teve a loja agregada a seu cargo e conseguiu duplicar os lucros. “Adoro a componente do negócio”, confessa. Esta veia empresarial e a cuidada atenção ao cliente terão sido moldadas nos verões passados em Chicago, nos EUA. Durante a licenciatura, ocupou as férias a trabalhar como estafeta, na bolsa de valores local. “Era o pateta que leva as ordens de compra. E foi colossal chegar à América com 17 anos”, recorda.
A semente ficou e deu frutos. Aos 26 anos, criou a sua primeira empresa: uma sex shop, batizada de Alalunga (um tipo de atum). A ideia surgiu-lhe na lua-de-mel do seu primeiro casamento, passada em Londres. Começou por ser uma brincadeira de “vender cuecas aos amigos”, evoluindo, depois, para produtos por catálogo, com anúncios publicados no jornal Correio da Manhã. Em 2000, aderiu ao online e, com os lucros, pagou o brevê de piloto e comprou o seu primeiro Porsche.
Tudo se concentrava, e assim continua a ser, no seu apartamento, no Areeiro, em Lisboa, apesar de ter agora um colaborador para lhe tratar das encomendas. É também a partir de casa – onde tanto se veem cartazes de festivais eróticos como fotos da reserva africana Kruger Park – que João Correia gere a empresa de captura e transporte de animais marinhos vivos, que criou em 2006, a Flying Sharks. Aqui, naturalmente, o investigador está como peixe na água. O mérito internacional conseguido com o trabalho no oceanário lisboeta e com a publicação de artigos científicos é a garantia necessária para arrecadar importantes contratos.
Em 2010, a sua empresa coordenou uma mega operação de abastecimento do Oceanário de Istambul, para onde transportou 3 mil peixes de 180 espécies diferentes. A maior parte dos animais foi capturada nos Açores. Para estes trabalhos, a Flying Sharks conta, essencialmente, com a colaboração de pescadores que aprendem a apanhar e a manter vivos os animais. Já há, até, pescadores que se dedicam exclusivamente à captura de animais vivos.
A logística envolve alugar aviões de carga, acondicionar os peixes em tanques, manter os valores de pressão atmosférica e temperatura ideais, durante a viagem, e muitos outros pormenores que são a alma do negócio. “Somos bastante chatos, paranoicos mesmo, com os cuidados a que nos obrigamos”, diz. “Até tenho vergonha de dizer o montante envolvido nestas operações”, admite. A título de exemplo, fica o custo do transporte de quatro peixes para Atlanta, nos EUA: 100 mil euros. E 2012 já mexe: João Correia acabou de receber uma encomenda de 40 mil peixes para um aquário em S. Petersburgo. “Vamos ter de contratar muita gente.”
Dar e receber
Se aprendeu a ganhar, João Correia também sabe dar. Dez por cento do valor das faturas vai para um fundo que utiliza para patrocinar trabalhos de investigação e de proteção da Natureza. Sempre que for preciso defender um animal, ele está lá. Sejam os cães das raças ditas perigosas sejam os touros. “Cresci no Cartaxo, terra de toureiros, e agora ando metido com muita malta antitourada. Isto dói na alma do meu pai”, confidencia. Dedica sete dias por ano, em outubro, à sensibilização nas escolas e oceanários de todo o País: chama-lhe a Semana de Proteção dos Tubarões. “É a tournée Dino Meira”, brinca. Aos miúdos fala da importância de se evitar comer os peixes em vias de extinção, como o bacalhau ou os jaquinzinhos. “Trabalho todos os dias para compensar os danos ambientais que causo ao fim de semana”, diz, ao admitir a sua paixão por carros desportivos.
Em breve, todas as suas aventuras estarão relatadas em livro, a publicar nos EUA. Um editor americano desafiou-o e João Correia aceitou. A obra está quase pronta e o título decidido desde o início: Flying Sharks. Porque não há amor como o primeiro.