Como qualquer jogador de futebol que se preze, Sofia Vieira e Edite Fernandes cumprem rituais, antes de entrarem em campo. Sofia, 22 anos, usa sempre a mesma lingerie, obrigatoriamente preta. Não troca palavra com ninguém, a não ser, por vezes, com as botas. “A forma que tenho de me concentrar é isolar-me”, diz. Já Edite Fernandes, 29 anos, fala pelos cotovelos: com as chuteiras, consigo mesma, com Deus e, até, com a mãe… “Tenho muita fé, rezo antes dos jogos. Peço, por exemplo, para não me lesionar. Além disso, telefono sempre à minha mãe, dá-me confiança”, conta. Falta dizer que também se benze, antes de pisar o relvado.
Sofia e Edite foram esta época contratadas pelo Atlético de Madrid. São dois bons exemplos do interesse além-fronteiras que as futebolistas portuguesas estão a ganhar. Há mais oito a jogar em clubes estrangeiros, de Espanha aos EUA, passando pela… Islândia! (ver outro texto nestas páginas). Quer isto dizer que a nossa selecção, em que todas alinham, deixou de ser o bombo da festa internacional. No próximo dia 23, aliás, a equipa feminina das quinas começa a disputar, enfrentando a Itália fora de casa, uma importante competição a qualificação para o Mundial da Alemanha, em 2011. Que não é uma miragem. Toda esta crença tem um nome: a seleccionadora Mónica Jorge, que deu a volta às cabazadas com que as nossas raparigas eram invariavelmente brindadas.
ATENÇÃO AO ‘LOOK’
As futebolistas portuguesas também não descuram a imagem. “Não quero parecer um saco de batatas”, diz a desassombrada e goleadora Edite, de cabelo claro e olhos verdes, piercing no sobrolho direito e brinco na orelha esquerda. Sofia, igualmente ponta-de-lança, morena, de cabelos e olhos cor de azeviche, dá conta do desconforto de ambas com o equipamento do Atlético de Madrid: “Em Portugal, a camisola é um pouco mais justa e os calções mais curtos, o que, em Espanha, não é bem-visto.” Manda a verdade que se diga que as superstições das nossas futebolistas são das poucas coisas que partilham com, por exemplo, Cristiano Ronaldo. No essencial, a gratificação está em jogarem sem se preocuparem com ganhar dinheiro para viver. O Atlético de Madrid paga, a Edite e a Sofia, um ordenado, casa, estudos e concede-lhes outros benefícios, como uma refeição por dia, num restaurante, e carta de condução. Elas não revelam o seu salário: primeiro, porque sabem que o objectivo é compará-lo com os ordenados exorbitantes dos jogadores de alto nível, expondo-as “ao ridículo”, coisa a que não acham grande piada. Segundo, porque nem todas as jogadoras ganham o mesmo.
O clube aconselha-as a guardarem, para si, o que é seu. Sofia, ainda assim, abre um vasto leque: uma futebolista pode auferir entre 300 e 2 mil euros mensais.
CONDOMÍNIO COM PISCINA
Nascida e criada em Rio Maior, Sofia estuda Ciências da Actividade Física e Desporto, na Universidade Autónoma de Madrid. O 3.° ano do curso ocupa-lhe as manhãs, das oito à uma da tarde. Chega a casa, faz o almoço, cuida da roupa, atira-se, se for preciso, à lide doméstica, e estuda. Das oito às dez da noite, treina, na cidade desportiva do Atlético, em Majadahonda, a 16 km da capital espanhola. “Um bairro pijo [beto], onde mora o Simão”, adianta, com um sorriso trocista.
Edite, natural de Vila do Conde, não tem emprego. Além dos treinos, dará formação a raparigas dos 8 aos 10 anos. Arranjar trabalho e tirar o segundo nível do curso de treinador estão nos seus planos. Viciada, confessa, na internet, ameniza, através do messenger, as saudades da família e dos amigos, em Portugal.
De resto, dizem que lhes falta tempo para aproveitar a movida madrilena. Também não têm vida para relacionamentos estáveis. “Andamos de flor em flor”, gracejam, bem-dispostas. “Somos solteiras e boas raparigas.” Edite e Sofia partilham, com três colegas espanholas, um duplex, num condomínio com piscina. Apesar de tudo, nada mau.