É isto uma campanha? Marcelo chega ao campus da Nova SBE, em Carcavelos, e não há gente ao molho, nem braços esticados, nem mimos ou críticas espontâneas. Ninguém tem nada para lhe dizer, ninguém tem nada para lhe pedir, ninguém está ali para lhe agradecer ou para o apupar. Tirando jornalistas, fotógrafos e repórteres de imagem, e tirando meia dúzia de estudantes e o próprio diretor da Universidade (Daniel Traça), nada acontece numa rua obediente ao confinamento. Só não se pode dizer que não se vê vivalma porque um discreto agente da Emel de Cascais [a Parc] não vai descansar enquanto não multar todos os carros infratores. Serviço à comunidade em pleno Estado de Emergência.
O candidato-presidente chega mais uma vez só, ao volante do seu Mercedes, naquele que começa a ser um dos mais batidos momentos da sua campanha-one-man-show. Marcelo sabe que faz a festa sozinho. Chega de sobretudo e um cachecol – que ora põe, ora tira, enquanto fala também com as mãos, ao jeito Marcelo. Está num Campus Universitário mas qualquer semelhança com um mega-edifício vazio não é coincidência. Onde estão os alunos? Onde estão as pessoas? Marcelo veio responder a perguntas de estudantes da Universidade, mas nem a isso os jornalistas podem assistir. A entrevista decorre numa sala fechada, porque os anfitriões assim o decidiram. “Eu não mando nos anfitriões”, justifica Marcelo. “A direção da escola, em relação à visita de outros dois candidatos (Tiago Mayan e Vitorino Silva) tomou a decisão de não deixar entrar a comunicação social. Fui avisado ontem que assim seria porque é isto um tratamento de igualdade.” É isto uma campanha?
Por causa disso, os momentos fora da caixa só aconteceram no final, cá fora, junto ao seu Mercedes Classe A que ali estacionara mesmo à porta do Campus. “Adeus, juventude trabalhadora! Ainda não almocei, querem ver o que eu almoço?” E lá vai tudo atrás de Marcelo, para saciar a curiosidade sobre esse apetitoso repasto. E Marcelo, o candidato, saca do carro um frasco de Fortimel, para logo a seguir discorrer sobre todas as propriedades daquele substituto alimentar, que parece um frasco de iogurte de morango mas é na verdade um suplemento nutricional, hiperproteico e hipercalórico. “É um produto que se compra nas farmácias. Usei isto quando fui operado à hérnia, alimentava-me com isto.” Não fosse isto Marcelo num dos seus clássicos momentos de descontração e estes frames seriam facilmente confundidos com um daqueles intervalos dos programas da manhã, tipo Televendas. “Foi um médico que lhe recomendou isso?”. “Sim, naquela altura, mas agora eu uso porque o que é que eu posso fazer? Não tenho tempo para almoçar.” Nem tempo, nem local, dado o confinamento.
Ainda não será desta que Marcelo dará um adeus derradeiro à “juventude trabalhadora”. Imaginem um vendedor num stand de automóveis e agora imaginem o presidente a cirandar de um lado para o outro do seu carro, a apontar para aqui e para ali. “O meu carro está destruído, dos dois choques que teve.” Nada que não tenha sido bem disfarçado. “Teve ali uma amolgadela”, e aponta. Mais uma rodinha, e “aqui outra”, apontando outra vez, e estragando os planos dos repórteres. “Devia substituí-lo mas isto é um aluguer de longa duração, e isso significava mais 400 euros por mês. Olhem, se eu não for eleito, eu troco, que aí já vou ter capacidade”, prometeu, e logo a seguir aproveitou para discorrer sobre as vantagens de continuar a conduzir enquanto presidente e depois disso. “Dos meus antecessores nenhum voltou a conduzir. Acho importante, para reconhecer as ruas, o trânsito.” Isso significa que Marcelo aos 77 anos estará a conduzir outro carro? “77 ou 72”, atirou o candidato mais bem posicionado nas sondagens. “A ver vamos, é daquelas coisas…”
Comprava carro a Ventura, sem certificado
Lá dentro, para lá das portas da Universidade, só seis estudantes – todos entre os 20 e os 22 anos – estiveram lado a lado com Marcelo. Lucas Sousa, do 3º ano de Economia, foi quem conduziu a entrevista que ficará gravada em vídeo e hoje já pode sair dali, garboso, com os elogios do Presidente. “Disse-me que tinha futuro – televisivo ou cinematográfico.” Ficará tudo registado numa rubrica a que deram o nome “A Caminho de Belém.” “Pertencemos ao Clube de Debate da Nova e tivemos este semestre a ideia louca de entrevistar todos os candidatos às Presidenciais. E conseguimos, hoje foi o último. Queríamos fazer perguntas para os jovens, e obter respostas concisas, que lhes cheguem mais facilmente.” Porque “um jovem não perde uma ou duas horas a ver uma entrevista”, reforça a colega Maria Inês. Palavra de jovem.
Perguntaram-lhe, por exemplo, quem escolheria Marcelo para vice-presidente se o sistema presidencial português fosse como o americano. O candidato respondeu que escolheria alguém com o perfil de Maria Pereira, investigadora na área da biotecnologia e sua antiga mandatária (Ventura, no mesmo programa dos estudantes da Nova, tinha dito que chamaria Pedro Passos Coelho). Perguntaram-lhe qual o momento mais significativo do seu mandato: “Primeiro a pandemia, em segundo os fogos, em terceiro a crise bancária.” E perguntaram-lhe aquele também que mais o incomodara: “A polémica relacionada com a entrada de imigrantes.” Marcelo escolheu “Ulisses”, de James Joyce, como o seu livro preferido, e Winston Churchill como a figura política mais inspiradora. Contou que em jovem saía à noite para jantar fora e dali rumava para “reuniões políticas em casa de amigos ou cafés”: “Depois ia para casa estudar, que era notívago e sempre estudei à noite.” E aquilo que disse em público e mais se arrepende de ter dito? Marcelo não hesitou: “O ‘Nem que Cristo desça à terra’!”, numa alusão ao momento icónico em que, em 1996, disse que não seria candidato à liderança do PSD. É que apenas umas semanas depois, mesmo sem notícias de que Cristo tivesse descido à terra, Marcelo vergou. “E aprendi ali que nunca se diz nunca.”
Antes, de todas as perguntas feitas pelos jornalistas a Marcelo, só uma foi para Marcelo-candidato a Belém. Vai manter-se em campanha com este estado da pandemia? Marcelo não fechou nenhuma porta. “O que me forçou a vir para o terreno foi haver quem pensasse que isso podia dar um sinal errado e promover a abstenção. Irei ponderar, consoante a mobilização dos portugueses. Tentarei ter mais iniciativas ligadas à Saúde, que possam chamar a atenção dos portugueses para a pandemia, ao mesmo tempo que mostro que a democracia não está suspensa.”
Adiada decisão sobre as escolas
Depois, no dia em que se ultrapassaram os 200 mortos diários por Covid-19, houve mais tempo para ouvir o Marcelo na qualidade de Marcelo-Presidente da República. Sobre a renovação do Estado de Emergência – “Na segunda-feira haverá a renovação, mais uma, do Estado de Emergência. Ouvirei os partidos, e aí se verá o quadro geral. Eu tinha manifestado aquela que era a minha sensibilidade sobre a mobilidade das pessoas. Há um número muito superior de pessoas a trabalhar agora durante a semana do que em março, por isso foram apertadas as medidas ao fim de semana.” Sobre os números da Covid-19: “Há uma diferença de semanas entre o aparecimento dos primeiros casos e a entrada nos Cuidados Intensivos. Sabemos que o número de mortes reflete o número de casos três semanas antes (andando para trás no calendário, estarão em causa pessoas que se infetaram no período do Natal).” Sobre o encerramento ou não encerramento das escolas: “É isso que vai ser ponderado. É importante ouvir de novo os especialistas. Sabem que há diferentes entendimentos sobre os diferentes graus de ensino.” Sobre se é ou não consensual entre os especialistas que as escolas devem ser encerradas para os alunos a partir dos 12 anos: “É isso que naturalmente vai ser ponderado daqui a uma semana, pouco menos. Essa discussão não foi pacífica. O professor Henrique de Barros, por exemplo, foi contra isso. As escolas têm sido o local onde o agravamento menos se deu e o controlo de surtos tem funcionado. E é preciso ter a certeza de que os jovens sem aulas não vão constituir maiores fontes de contágio. É essa a avaliação que tem de ser feita.” E sobre se essa espera não é estar a perder tempo. “Não posso enquanto presidente substituir-me ao Governo e aos especialistas por uma questão de perceção. Mas há a perceção hoje de que há uma série de medidas que têm de ser tomadas. Há momentos em que a perceção política ganha mais importância do que o raciocínio sereno sobre a matéria.”
Marcelo em versão candidato só foi chamado mais uma vez, quando a reboque de uma pergunta dos alunos da Nova sobre a qual dos líderes partidários compraria um carro, insistiram e lhe perguntaram se antes de comprar uma viatura a André Ventura, líder do Chega, lhe exigiria um certificado a demonstrar que a mesma tinha um motor, um volante e quatro rodas. Marcelo riu-se. “Era de esperar que não me vigarizasse. Compraria um carro a qualquer um, mas sobretudo venderia o meu.”
Amanhã, o candidato Marcelo vai visitar um liceu em Lisboa e depois subir ao Porto, para uma entrevista. Vai fazê-lo uma vez mais sozinho, ao volante do seu Mercedes de 2015. Aquele que diz que não vai trocar enquanto for presidente? Nem que Cristo desça à terra!