“A única prisão que me preocupa é a prisão de estagnação em que o País se encontra há 20 anos. Agora, prisão perpétua não é assunto”. Os termos de Cotrim de Figueiredo, ao longo do debate com André Ventura, foram quase sempre os seus. Avisado da armadilha em que caira Rui Rio, que passou o debate a comentar as propostas do Chega e a responder às perguntas de Ventura, Cotrim levava a estudada lição de ignorar umas e não ouvir as outras. Nem mesmo quando Ventura insistiu, varias vezes, com a questão da prisão preventiva, limitada a três meses, medida defendida pela Iniciativa Liberal, o seu opositor lhe ligou nenhuma. Em vez disso, apresentou um gráfico – letal… – onde, em três visíveis colunas, comparou o dinheiro gasto na TAP com o total das verbas do RSI (Rendimento Social de Inserção) e o RSI de que são beneficiários os elementos da etnia cigana – um ponto mínimo, quase impercetível na “fotocópia” apresentada. Sendo que a TAP, cujo financiamento público tem sido defendido pelo Chega, foi uma das principais armas de arremesso de Cotrim contra Ventura. Ao ponto de ter levado o líder do Chega a dizer que admite as duas hipóteses – TAP privada ou TAP pública -, dando, sem querer, razão ao adversário, que o acusara, momentos antes, de defender tudo e o seu contrário. Mas a principal notícia deste debate, que terá passado despercebida, tanto a Cotrim, como ao próprio moderador, foi a de que o Chega deixa cair a exigência de entrar numa coligação, para viabilizar um governo à direita, liderado por Rui Rio: confrontado, por João Adelino Faria, sobre se admite ou não viabilizar um governo que afaste Antóno Costa do poder, mesmo sem acordo com o PSD, Ventura afirmou: “Admitimos tudo” – e continuou a falar muito depressa, mudando de assunto imediatamente.
ARGUMENTAÇÃO
A principal estratégia de André Ventura foi a de colar Cotrim de Figueiredo à esquerda, nomeadamente, nas questões dos costumes: a liberalização das drogas leves, por exemplo. Mas Cotrim, usando as técnicas das artes marciais – aproveitar a força do adversário em seu favor – não só admitiu que a IL tem essa agenda, como se vangloriou dela, aproveitando para marcar pontos no eleitorado que mais lhe interessa: jovem, urbano, cosmopolita e liberal nos costumes. Vendo que dali não levava nada, Ventura não insistiu, e passou a procurar identificar a IL com os ricos, e as elites do “ Príncipe Real”. E quando a TAP veio à baila, com Cotrim a acusar o Chega de secundar a estratégia do Governo, Ventura teve um “desarrancanço”, projetando “um gancho de esquerda” sobre o adversário: “A IL não quer saber de Portugal, só quer saber do lucro”. Terá sido esta uma das duas únicas verdadeiras “frases de efeito” que Ventura conseguiu aplicar (juntamente com aquela onde acusa a IL de se ter vendido ao PSD). Isto quer dizer que não correu bem: Ventura costuma dar a sensação de ganhar debates graças às frases de efeito e farpas lançadas às dezenas em cada 25 minutos… Campeonato no qual perdeu, desta vez, inesperadamente, contra Cotrim. Nitidamente, o líder do Chega não esperava que, desta vez, encontraria um adversário com mais papéis para mostrar do que ele póprio – as famosas “fotocópias” de que falou Costa, no debate com Ventura… -, provando-se que não tem o exclusivo da “escola Pedro Guerra”. E mesmo quando veio à baila a alegada associação de Cotrim a João Rendeiro, o líder da IL mostrou que vinha prevenido, exibindo um recorte de um fact check em que as alegações de Ventura são desmentidas, o que terá impedido o adversário de insistir no tema.
Cotrim, além de recusar discutir os assuntos que Ventura procurou impor, apostou na desmontagem da consistência da personagem, confrontando-a com a sua alegada impreparação, por exemplo, na incompetência jurídica das leis que apresenta no Parlamento. Também lhe apontou a incoerência, com as três votações diferentes, em 12 horas, na questão do Novo Banco, a falta de fiabilidade e o programa com “menos profundidade do que alguns trabalhos do secundário”. E tentou fazer essa desmontagem do adversário sem nunca entrar em discussões ideológicas, ou usar expressões como “racismo”, “xenofobia” ou “extrema direita”, chavões que estão para o lado onde Ventura dorme melhor…
ALIANÇAS
Cotrim abriu o debate a procurar explicar por que razão “ninguém os quer” [ao Chega]. Nem a IL, nem o PSD nem o CDS. Porque é um partido sem fiabilidade, que defende tudo e o seu contrário e que só procura os temas que rendem votos, prometendo tudo a todos e incapaz de defender uma medida impopular. Confrontado com a possibilidade de ter de viabilizar um governo à direita mesmo sem acordo que inclua o Chega, Ventura descai-se, pela prmeira vez: “Nós admitimos tudo”.
TAP
Cotrim acusa o Chega de alinhar ao lado do Governo socialista na questão da TAP e apresenta um gráfico onde demonstra que a companhia aérea nacional consome incomparavalemente mais recursos do que todo o RSI junto – aproveitando para demonstrar que o RSI só destinado à etnia cigana mal se vê, na comparação gráfica. O que deixou Ventura sem resposta. Ventura afirmou que admite uma companhia pública ou privada e lembrou a importância da TAP para a diáspora portuguesa.
NOVO BANCO
Ao lembrar que Ventura votou, em 12 horas, de três formas diferentes na questão das ajudas ao Novo Banco, Cotrim deixa entaramelado o adversário, que procura explicar o contexto, sentindo-se vítima da descontextualização que ele própro costuma usar nos debates, de tal forma que acusa Cotrim de vir para ali com “demagogia barata”. Sim, repita-se: Ventura acusou um adverdário político de fazer… “demagogia barata”! Palavra de honra.
PROGRAMAS POLÍTICOS
A “guerra dos programas” ocupou boa parte do debate, com Ventura a tentar atacar com algumas das propostas mais polémicas da IL e Cotrim a esquivar-se, mostrando as folhas soltas do programa do Chega com “menos profundidade do que muitos trabalhos do secundário”. Ainda assim, Ventura consegue o seu único momento de glória, no debate mais difícil que teve, ao deixar Cotrim sem resposta, quando o confrontou com a antiga proposta da IL de que os estudantes universitáros viessem a pagar, em 30 anos, os seus cursos – e obrigando o adversário a desdizer-se.
AS FRASES MAIS MARCANTES
André Ventura:
“A IL não quer saber de Portugal, só quer saber do lucro”
“O Cotrim de Figueiredo está a fazer demagogia barata”
“Vocês já se venderam ao PSD…”
Cotrim de Figueiredo:
“A vossa estratégia falhou. Queriam ser a terceira força mas já não falam de sondagens, estão a perder gás”
“Querem tornar-se inevitáveis mas ninguém os quer”
“O Chega vai atrás de tudo o que possa dar votos”
“André Ventura faz-me lembrar a Catarina Martins: custe que custar, não faz mal…” [A propósito da TAP]