Catarina Martins e Rui Tavares sentaram-se frente a frente, mas, na verdade, poderiam até se ter sentado lado a lado, dada a afinidade demonstrada entre Bloco de Esquerda e Livre, do primeiro ao último segundo, durante o debate transmitido, na SIC Notícias, no final da tarde desta terça-feira.
Com cordialidade, as divergências entre Catarina Martins e Rui Tavares lá foram aparecendo, envergonhadas, mas apenas em situações de pormenor – e sempre tendo como como pano de fundo um possível acordo com o PS, no dia a seguir às Legislativas de 30 de janeiro. Catarina Martins, desconfiada, mantém-se “de pé atrás” com António Costa, depois do braço de ferro orçamental, que deitou por terra a anterior legislatura; Rui Tavares, por seu lado, apresentou-se de braços abertos para ambos os partidos (e ainda incluiu PCP, PEV e PAN num possível acordo pós-eleitoral à esquerda).
No final de um frente a frente morno, apenas uma questão pareceu importar: qual o partido com mais vontade de evitar a maioria absoluta de António Costa, chegar a um acordo alargado à esquerda e afastar a direita do poder? Catarina Martins puxou dos galões, falando da experiência de sucesso com que observa o acordo entre BE e PS, desde 2015 (e até 2019). Já Rui Tavares fez questão de apelar ao voto útil no Livre, tendo em conta o histórico recente de desacordos vivido entre parceiros da geringonça (PCP incluído).
É muito mais o que os une…
O debate começou em clima de fraternidade. Rui Tavares recordou como exemplo de convergência o acordo entre BE e Livre no município de Oeiras, mas recebeu de Catarina Martins uma resposta, talvez, mais fria do que esperaria – que criticou a capacidade de concretização das propostas do “simpático” programa do Livre.
CATARINA MARTINS
“Tenho uma enorme simpatia pelo programa eleitoral do Livre e pela sua vontade convergente, mas julgo que é preciso mais concretização nas medidas”.
RUI TAVARES
“Estamos a fazer este debate no município de Oeiras, onde o Livre e o BE estão coligados (juntamente com o Volt). Conseguimos eleger uma vereadora (…) e é talvez uma coisa que muita gente não sabe, mas esta não é uma coligação que se tenha desfeito no dia das eleições, continua a funcionar”.
“A Catarina Martins apresentou convergências com o Livre e divergências com o PS”.
Campeonato de europeístas
As primeiras divergências surgiram na forma como cada um dos partidos olha para a Europa. Catarina Martins apresentou críticas ao acordo sobre migrantes e refugiados entre os 27 Estados-membros, incluindo Portugal, e o presidente turco, Erdogan. Rui Tavares veio em “socorro” da Europa, negando a existência de um acordo entre as instituições europeias e a Turquia, embora concordando na necessidade de se apostar em políticas de defesa dos direitos humanos na Europa.
CATARINA MARTINS
“Tenho alguma dificuldade com estes campeonatos de europeístas. Europeísta, sou, seguramente. Outra coisa é subscrevermos uma União Europeia que paga a Erdogan para manter os migrantes e refugiados do outro lado”.
“Aconselhava Rui Tavares a que tivesse alguma calma na distinção formal dos tratados face ao que a vida concreta nos prova. É entre Estados-membros, mas Portugal decidiu que não deveria ficar de fora de uma política que humilha direitos humanos”.
“Quando se começa com formalismos sobre a Europa (…) por vezes podemos perder o horizonte sobre as responsabilidades sobre o que o nosso País decide. E o nosso País tem de estar do lado dos direitos humanos e contra tratados como o orçamental que nos impedem de responder à vida das pessoas”.
RUI TAVARES
“Estamos a mobilizar o mesmo eleitorado, mas existem diferenças muito grandes, em, por exemplo, na área europeia. Há coisas que concordamos (…) mas depois têm questões não batem a bota com a perdigota”.
“Refere-se a um acordo sobre refugiados entre a UE e Erdogan? Isso não existe. Existe um acordo entre os 27 Estados-membros, incluindo Portugal, e Erdogan. Não é um tratado da União Europeia. Um política europeia para refugiados e migrantes é aquilo que precisamos e aquilo que não temos”.
“A União Europeia é essencial para definir o modelo de desenvolvimento que precisamos para Portugal”.
As “viúvas” da geringonça
O divórcio consumado durante as negociações do Orçamento do Estado para 2022, entre parceiros da geringonça – que culminou com o fim da legislatura e a antecipação das Legislativas, dominou os pontos mais quentes do frente a frente entre Catarina Martins e Rui Tavares. A líder do Bloco voltou a lançar farpas a António Costa; Rui Tavares criticou a “intransigência” de BE e PCP e aproveitou o argumento para apelar ao voto útil à esquerda no Livre.
CATARINA MARTINS
“O PS recusou todas as nove propostas, recusou tudo e forçou uma crise política”.
“Chegamos a uma situação de crise política porque António Costa assim o quis. António Costa, desde 2019, ficou zangado por não ter tido maioria absoluta e tentou sempre criar pontos de crise política”.
“Fico surpreendida quando ouço Rui Tavares a falar de ‘intransigência’, parece quase António Costa a falar. O PS deixou de fazer acordo. Em 2015, o PS teve de aceitar eleições e depois até julgo que foi o próprio sucesso da geringonça que fez [o PS] querer ter maioria absoluta”.
RUI TAVARES
“Creio que muitos eleitores à esquerda estão preocupados, uns dizendo que houve intransigência de BE e PCP, outros dizendo que houve vontade de António Costa de governar sozinho. A novidade é que ambos podem ter razão. E a maneira de passar a mensagem certa para ambos os lados não é transferindo votos do BE para o PCP do PS de António Costa (…) e no sentido inverso também não vão aumentar a capacidade de diálogo e compromisso. A mensagem para uma esquerda de convergência é o voto no Livre”.
“Quem vai votar no PS, porque espera uma maioria absoluta, e depois encontra-se com um Governo com Rui Rio e sem António Costa, sem saber se é a linha do PS de Pedro Nuno Santos ou Sérgio Sousa Pinto que vai tomar conta a seguir, está a arriscar-se a ter um grande dissabor. Como também, quem não entende ainda se estamos perante um BE e um PCP de convergência ou divergência… quer votar no da convergência e, depois, não ser esse também pode ter um dissabor a seguir”.
Acordo pós-eleitoral
Apesar das (poucas) divergências ao longo dos 25 minutos do debate, Catarina Martins e Rui Tavares acabaram como começaram. Muito mais próximos do que separados. Catarina Martins aposta num BE reforçado como terceira força política mais votada. Já Rui Tavares “sonha com um acordo alargado à esquerda, que una Livre, PS, BE, PCP, PEV e PAN”.
CATARINA MARTINS
“O BE tem-se empenhado muito para que haja soluções para o país e elas dependem da força da esquerda”.
“Precisamos muito de uma força à esquerda para um novo ciclo: sem maioria absoluta do PS, ou então não existirá, com a extrema-direita colocada no seu lugar ,e por isso, é tão importante que o BE seja a terceira força política mais votada”.
“É bom que ninguém tenha nenhuma dúvida sobre isso [que o BE tudo fará para impedir um Governo de direita]. Dou essa garantia e sei que em Portugal ninguém tem dúvidas sobre isso. O BE quis, fez propôs e fará um acordo à esquerda para um Governo de esquerda em Portugal, e isso acontecerá com o BE reforçado enquanto terceira força política”.
RUI TAVARES
“O mesmo desafio que lanço a António Costa, lanço a Catarina Martins, a Jerónimo de Sousa, ao PEV e ao PAN também”.
“[Assinaria um acordo de Governo com PS e BE?] Evidentemente. Lancei ainda agora esse repto e a Catarina Martins chutou para canto, exatamente como António Costa. Nós precisamos de um acordo para dar ao País um novo modelo desenvolvimento”.