Num dos debates mais previsíveis desta série de “confrontos” entre líderes partidários, António Costa reiterou o pedido de uma maioria [absoluta] e explicou por que razão a reedição da “geringonça” não lhe “inspira confiança”. Esta é a ideia central de um “duelo” que, como se esperava, foi muito cordato e em que o secretário-geral do PS ensaiou uma operação de charme junto do eleitorado da CDU. Para isso, terá feito uma preparação profissional e cirúrgica. Jerónimo (em má forma), que costuma desarmar pelo recurso inesperado – e certeiro – à sabedoria popular, só por uma vez recorreu à sua bateria de provérbios. E, mesmo essa, para defender António Costa de um ataque de Catarina Martins, que alegadamente desejará ver um novo líder no PS: “Do convento sabe quem lá está dentro…”
As culpas da rutura
António Costa declarou ter muita dificuldade em compreender por que razão a “solução mais estável” dos últimos anos da democracia portuguesa foi interrompida, quando o País vivia a sua maior crise pandémica de sempre. Com a lição estudada para atingir o coração dos simpatizantes comunistas, o secretário-geral do PS enumerou as várias medidas constantes no Orçamento de Estado “mais à esquerda” dos últimos anos que o chumbo do PCP [e do BE], inviabilizou: do aumento extraordinário das pensões, às medidas de combate à pobreza infantil, passando pelo alívio fiscal para as famílias. No único momento de diálogo um pouco mais tenso entre os dois – visto ter sido este um debate muito morno – Jerónimo de Sousa ainda o confrontou com o facto de poder ter lançado algumas dessas medidas. Mas o seu tímido ataque logo foi neutralizado por Costa, que lembrou que o regime de duodécimos, resultante do chumbo do Orçamento, não permite que elas sejam aplicadas.
Jerónimo de Sousa reiterou as queixas do PCP, enumerando três razões principais para o chumbo do Orçamento: a manutenção da legislação laboral, o aumento do salário mínimo e o reforço do SNS. Para os comunistas, o PS desistiu da negociação porque queria eleições: “Primeiro, uma maioria, depois uma maioria estável, depois uma maioria por 50 mais um e, agora, uma maioria absoluta. Podiam ter dito antes…” Mas Costa ripostou: “Qual o primeiro-ministro que, estando o País na maior crise pandémica e económica de que há memória, desejaria ir para eleições?!…”
As leis laborais e o SNS
Jerónimo agarra-se, sobretudo, ao facto de o Governo recusar avançar na lesgislação laboral. Para os comunistas, o direito à contratação coletiva é sagrado e os socialistas terão recusado pôr fim ao regime da caducidade dos contratos. Costa respondeu que estava prevista uma mexida na lei, com a possibilidade da decisão arbitral sobre essa caducidade. Acerca do SNS, o PCP reclamava uma valorização das carreiras na Saúde, com reforço financeiro para melhorar a prestação de serviços. Costa, num argumento já muito repetido, lembrou que, nos últimos seis anos, o SNS foi reforçado com mais 28 mil profissionais, que medidas como o prémio aos enfermeiros iriam ser recuperadas, que as unidades de saúde familiar teriam sistemas remuneratórios mais atrativos no Orçamento, de forma a dotar o País de mais médicos de família, etc.. O tom foi constante: às queixas e objeções de Jerónimo, Costa repondia com uma enxurrada de medidas em que é difícil distinguir o que já foi feito, o que estava previsto no Orçamento para 2022 e o que não passa de meras promessas (caso da vinculação dos professores), algumas das quais (como a dos médicos de família), um tanto ou quanto datadas. Este bolo terá confundido o adversário em várias fases do debate.
O salário mínimo
O aumento exigido pelo PCP e a valorização geral dos salários, pedras de toque do chumbo do Orçamento, deu a Costa a oportunidade de um piscar de olho aos pequenos e médios empresários, convocando, ao mesmo tempo, a compreensão dos trabalhadores: pois se nunca houve um aumento tão grande e tão rápido do salário mínimo como nos últimos anos, como se poderia exigir a pequenas empresas, restauração, turismo, têxteis – que nem tiveram encomendas, na pandemia… -, que passassem para “o dobro” a remuneração mínima, num ano em que ainda pairam incertezas, em que procuram recuperar da “maior crise económica de sempre” e em que ainda enfrentam aumentos de matérias-primas? O argumento é dilacerante: “Não é o governo que paga esses salários, são os pequenos empresários!”
Os acordos pós-eleitorais
Esta matéria, mais pelas entrelinhas do que pelo que ficou dito, foi das mais interessantes do tète-a-tète entre Costa e Jerónimo. O íder do PCP foi suficientemente ambíguo para não destruir pontes e, em certos momentos, até pareceu mostrar vontade de emendar o “mal” (do chumbo do Orçamento) feito. Perante um António Costa que se fez sempre difícil, Jerónimo lembrou as “conquistas” alcançadas nos últimos seis anos, prometeu que o PCP continuaria a dar a sua “contribuição” para resolver os problemas, que é preciso encontrar “convergências” e, depois, confrontado, pelo moderador, sobre a hipótese de voltar a entender-se com o PS, acabou por titubear: “Não posso dizer que sim ou que não” – dando a entender que os resultados eleitorais da CDU serão decisivos para a tomada de opções. De forma significativa, e comentando as declarações de Catarina Martins, no debate anterior (com Rui Tavares), de que Costa é um obstáculo, Jerónimo recusou entrar no jogo da sucessão socialista, que o BE, pensando em Pedro Nuno Santos, tanto deseja: “Um obstáculo? Isso é uma expressão infeliz.”
António Costa, ainda assim, assumiu o tom ”amuado” de que quem não se sente não é filho de boa gente. Cortante, mostrou-se chocado pelo chumbo do Orçamento, apontando responsablidades ao PCP e considerando isso, em plena crise pandémica, uma “enorme irresponsabilidade”. Concedeu, enfim, talvez pensando mais nos votos que esperava, neste debate, atrair na área da CDU, do que em acordos futuros, que “estas eleições não são sobre recriminações do passado” e que não quer “voltar a erguer muros” que derrubou há seis anos”. Dito isto, um enorme “mas” desceu sobre o debate: “Precisamos de uma maioria que não chumbe tudo”.
As frases principais
António Costa:
“Porque é que chumbaram o Orçamento?”
“Não quero voltar a erguer muros que derrubei há seis anos”
“Precisamos de uma maioria que não chumbe tudo”
“Neste momento, não sinto confiança para dizer que a geringonça é uma solução estável”
Jerónimo de Sousa:
“Estas eleições não são para primeiro-ministro”
“Tirando os orçamentos, o PS votou sempre com o PSD”
“O PS desistiu [de negociar] e começou a pensar em eleições”
“A nossa crítica é clara, mas numa perspetiva de encontrar soluções”
“Continuamos a querer soluções para o País”
“António Costa, um obstáculo? Isso é uma expressão infeliz” [sobre uma declaração de Catarina Martins]