Acha que o BCE está a esticar demasiado a corda? “Acho e quase diria que o BCE também acha, mas não posso dizer isto assim…” . Foi assim que a eurodeputada socialista Margarida Marques respondeu à pergunta do Irrevogável, o programa de entrevistas da VISÃO, também disponível em vídeo e podcast.
“Numa audição com Lagarde colocamos a questão se o BCE tinha uma avaliação que lhe permitisse afirmar com toda a clareza e sem hesitações que estava a haver um impacto do aumento das taxas de juro no controle da inflação. E não ficamos nada convencidos com a resposta”, adiantou Margarida Marques, que foi uma das relatoras de um documento do Grupo da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas, pedindo “mais clareza e escrutínio às políticas do BCE”.
“Entendemos que há um ritmo excessivo de crescimento das taxas de juro, sobretudo porque são receitas antigas para problemas novos. Porque a inflação, desta vez, não se deve ao aumento da procura, mas à escassez da oferta”, explicou, criticando, assim, a rigidez da política do BCE.
“Ninguém sabe” se o BCE vai conseguir pôr a taxa de inflação nos 2%, em 2025, – a meta que tem servido de justificação ao crescente aumento das taxas de juro – , mas sabe a eurodeputada que “não podemos dizer que queremos, a qualquer preço, uma taxa de inflação a 2%, sem olhar ao que isso significa para a vida das pessoas e das famílias”. É preciso um maior equilíbrio entre o ritmo das políticas dirigidas ao controle da inflação e o impacto da subida constante das taxas de juro na vida das pessoas.
E essa mesma questão foi levantada na reunião com o BCE, tanto mais que este tem vindo a público pedir aos estados-membros que não abusem nas medidas de apoio às pessoas. “O BCE não pode ter este ritmo de aumento das taxas de juro e, ao mesmo tempo, pedir aos governos dos estados-membros que deixem de ter medidas desta natureza”, afirmou.
E isso mesmo terá sido frisado na reunião. “Afirmei muitas vezes que é fundamental o apoio à Ucrânia, mas tem de haver um equilíbrio entre esse apoio e a existência de medidas ao nível europeu que possam mitigar o impacto económico e social das sanções à Rússia na vida dos europeus”.
Neste momento, considera, está-se já assistir “a uma redução ligeira das taxas de inflação, os últimos números já são mais estáveis e, sobretudo assistimos a uma redução do preço da energia, que permite também a redução da taxa de inflação”. Condições que podem ajudar ao equilíbrio esperado.
Satisfeita por ter sido possível “assinar um compromisso entre o BCE e o Parlamento Europeu, no sentido de este ter uma maior capacidade de ação sobre o banco central”, de modo a que haja “um diálogo mais estruturado”, Margarida Marques lembra que o BCE tem nas suas responsabilidades secundárias a obrigação de apoiar as políticas da União Europeia.
Já no final, à palavra BCE reagiria com um “precisa de um maior controlo democrático”. Mas nada disto impediu que o BCE subisse, esta semana, e mais uma vez, as taxas de juro.
Margarida Marques foi fundadora da Juventude Socialista, em 1974, e secretária de Estado dos Assuntos Europeus (2015-2017) no governo de António Costa, então suportado pela denominada geringonça: “um período muito bom na política em Portugal”, considerou. “Este governo está a governar e a governar bem. E os resultados económicos e as medidas que o governo tem tomado para mitigar o efeito desta crise” são prova dessa “responsabilidade governativa maior”.
Desvalorizou, portanto, toda as polémicas que têm marcado a política nacional. “O PS foi eleito com um programa político e é isso que está a procurar desenvolver e a fazer, apesar do contexto político internacional e europeu ser particularmente difícil”.
“É preciso manter estas políticas, concretizar o programa de governo, porque qualquer que seja o ministro, haverá sempre armas apontadas. Para este hoje, para aquele amanhã, porque há sempre possibilidade nas vidas de todos nós de encontrar uma questão, um pormenor, que pode ser explorada ao limite”, precisou.
Ao contrário de Alexandra Leitão, não defende nenhuma grande remodelação. “Mais: acho que se houver uma grande remodelação, no dia seguinte será descoberto um ministro qualquer, eu diria um Eduardo Cabrita qualquer, e todas as armas serão orientadas para esse novo ministro”.
Considerando João Galamba “um bom ministro”, lamenta, porém, que nunca tenha sido colocada a questão de violência quando o assessor deste “agrediu duas mulheres”. E isto só se explica porque “as armas estão apontadas ao ministro”.
“Lembro-me da guerra que foi feita ao ministro Centeno. Felizmente ele resistiu. Mas às vezes as pessoas e os membros do governo, até psicologicamente, não resistem a essa guerra”, lamentou.
“A China é um parceiro importante da UE, como os EUA, a Índia ou o Brasil. A Europa precisa deles todos e eles precisam da Europa”
Mas voltemos à política internacional e às relações comerciais, já que a eurodeputada é um dos membros da Comissão do Comércio Internacional e da delegação para as Relações com a República Popular da China. Estará a Europa entalada entre os Estados Unidos e a China?
“A China é um parceiro importante da UE, como os EUA, a Índia ou o Brasil. A Europa precisa deles todos e eles precisam da Europa… nas relações comerciais, na relação política, nos processos de paz, na ajuda humanitária ou na ajuda ao desenvolvimento”, disse. E quando a EU fala da necessidade de ter autonomia estratégica e da necessidade de reindustrialização está a “falar de diversificação” dos seus parceiros comerciais.
“Temos de diversificar os nossos parceiros, porque autonomia estratégica não significa isolamento da UE, nem dependência excessiva da China”. E, por isso, a forma de a União Europeia funcionar está a mudar: em vez de grandes acordos, a estratégia agora é ter “acordos mais orientados” e direcionados às necessidades, como por exemplo, referentes a determinadas matérias-primas importantes para desenvolver a indústria europeia. A experiência demonstrou que “os grandes acordos que que regulam toda a prática comercial são mais difíceis de negociar com os nossos parceiros, mas também mais difíceis de ratificar pelo lado da União Europeia”.
Um fundo de pensões privado em rutura irá buscar dinheiro aos contribuintes europeus?
A eurodeputada, que é vice-presidente da Comissão de Orçamentos, pronunciou-se ainda acerca da possibilidade de o fundo de pensões privado dos eurodeputados poder recorrer a dinheiro dos contribuintes europeus para tapar um buraco de mais de 300 milhões de euros , como avançou o Público .
“Não penso que isso vá acontecer. É evidente que há uma contribuição de uma parte do orçamento da UE para esse fundo, mas penso que isso não se irá colocar dessa forma”, adiantou, até porque “todos os anos se tem encontrado a solução apropriada”. Explicando o funcionamento do fundo, frisou que o que está em causa “é os deputados terem os mesmos direitos, porque não é porque se deixou de ser eurodeputado antes da revisão do regulamento que tem menos direitos do que os restantes deputados”.
Para ouvir em podcast: