Luís Montenegro garante que “sinceramente, não há nenhum conflito de interesses” no facto de a sua mulher e os seus filhos deterem uma empresa que, entre outros, tem como objeto o imobiliário. Mas há muitas questões ainda por esclarecer no caso que levou o PS a pedir mais explicações e o Chega a apresentar uma moção de censura contra o Governo.
Porque é que pode estar em causa um conflito de interesses?
Porque o Governo está a alterar, com o acordo do PS, a Lei dos Solos, facilitando a conversão de solos rústicos em urbanos, algo que potencialmente valoriza os 49 terrenos rústicos declarados à Entidade da Transparência pelo primeiro-ministro. Tendo esta empresa como objeto a compra e venda de imóveis e estando Luís Montenegro casado em comunhão de adquiridos, mesmo sem ser sócio da empresa (deixou de o ser quando chegou à liderança do PSD), pode beneficiar dessas transações.
Não mudar o objeto da empresa viola o Código de Conduta do Governo?
O Código de Conduta estabelece no artigo 7.º, n.º 4 que “qualquer membro do Governo que se encontre perante um conflito de interesses, atual ou potencial, deve tomar imediatamente as medidas necessárias para evitar, sanar ou fazer cessar o conflito em causa, em conformidade com as disposições do presente Código de Conduta e da lei”. Ou seja, Luís Montenegro podia fazer como fez em tempos o antigo ministro da Saúde, Manuel Pizarro, dissolvendo a sociedade, ou podia alterar o seu objeto. Algo que, em respostas dadas ao Correio da Manhã, se recusa a fazer. “Reitero que não vejo essa necessidade, uma vez que a inclusão no objeto social da compra e venda de propriedades em si não gera conflito de interesses. Essa possibilidade existe para qualquer membro do Governo ou deputado, tenha ou não empresas, ou tenha ou não familiares com empresas”, disse ao diário da Cofina.
Que atividade teve esta empresa?
“Do vasto objeto social dessa empresa apenas a prestação de consultoria no âmbito da proteção de dados pessoais teve execução; por ironia do destino, o grupo de comunicação social que integra o Correio da Manhã foi um dos clientes”, respondeu Luís Montenegro ao CM. Contactado pela VISÃO, o gabinete de São Bento recusou dar outras explicações, mas a consulta dos documentos financeiros da empresa revela que a Spinumviva Lda faturou 650 mil euros em dois anos.
Que trabalho fez a empresa de Montenegro para a dona do Correio da Manhã?
Segundo uma fonte próxima do primeiro-ministro, a prestação de serviços de consultoria de proteção de dados que Luís Montenegro revelou ao Correio da Manhã ter prestado à empresa que detém aquele jornal foi “no âmbito da aplicação do RGPD [o regime legal de proteção de dados] à Cofina”, antes de esta empresa ser a MediaLivre, e antes de Montenegro ser eleito líder do PSD, sem precisar a data nem o valor cobrado.
Porque é que a consultoria de proteção de dados foi prestada à Cofina através desta empresa?
Não é claro. Tendo em conta as habilitações literárias da mulher, que tem duas licenciaturas em Educação e trabalha numa IPSS em Espinho, e dos filhos, um à data ainda estudante e outro recentemente licenciado em Gestão, apenas Luís Montenegro, que é jurista, poderia ter prestado esta consultoria. A menos que tenha contratado alguém para o efeito, o que é incompatível com a primeira resposta dada ao Correio da Manhã, segundo a qual a sociedade foi criada com o intuito de gerir o património dos pais. Caso a prestação de serviços jurídicos tenha sido feita por Luís Montenegro, não se percebe por que motivo não foi faturada através da Sociedade de Advogados Sousa Pinheiro & Montenegro (SP&M), que fundou em 2014 e da qual só se desvinculou em 2022, quando chegou à liderança do PSD.