Quem era Mário Soares? Que homem era este, capaz de recuperações políticas impossíveis, de enfrentar as forças mais adversas e de arriscar nos combates mais difíceis? Quem era este político a que ninguém ficava indiferente, que se odiava ou adorava – e vice-versa no dia seguinte? No fundo, o seu segredo foi o de ser um homem como nós, que nas palavras da jornalista americana Marvine Howe, que o conheceu bem – e, há quem diga, mesmo na intimidade… –, era o “português típico”, amante do bacalhau, da dobrada com feijão-branco, e cultor de um certo marialvismo machista que hoje, seguramente, lhe garantiria o cancelamento – não fosse ele, como Eusébio, um jogador capaz de ser fora de série em qualquer época. Português típico, sim, mas acrescentando aos traços dos seus concidadãos o suplemento das suas características pessoais: mais ousado, mais atrevido, mais irreverente, mais “sim ou sopas”. Mais preguiçoso, mais manhoso, mais egocêntrico, mais intuitivo. Ele era uma caricatura, uma aresta vincada dos traços da personalidade portuguesa, um espelho côncavo que expunha o lado melhor e o lado pior do homem lusitano.
Teve uma vida excessiva. Na política, nas amizades, no amor. Mário Soares (1924-2017), falecido aos 92 anos, continuava a ser uma força da Natureza, pouco tempo antes do seu desaparecimento. E mesmo quando, nos últimos meses, perdeu a lucidez, continuou, quase até ao fim, fisicamente robusto. O seu trunfo foi o do paradoxo: a sua bonomia conferiu-lhe a alcunha pela qual os portugueses sempre o recordarão: o “Bochechas”. O que não invalida a sua verve combativa a que outro epíteto acrescenta um cariz profundamente contraditório: o de “Velho Leão”.